Centro deverá iniciar atividades até o final do ano – em coletiva à imprensa, a presidente da Boeing Brasil, Donna Hrinak, disse que iniciativa visa o longo prazo, sem relação direta com o programa F-X2 da FAB – executivo Al Bryant, que liderou o estabelecimento dos centros da empresa na China e na Austrália, é o responsável por implantar o do Brasil

Nesta terça-feira, 3 de março, a Boeing anunciou que vai abrir no Brasil um Centro de Pesquisa e Tecnologia Aeroespacial – o centro brasileiro será o sexto que a empresa mantém fora dos Estados Unidos, e a expectativa é que esteja estabelecido até o final deste ano.

As informações foram dadas em coletiva de imprensa em que a presidente da Boeing Brasil, Donna Hrinak, apresentou o executivo responsável pela implantação do centro brasileiro: trata-se do vice presidente da Boeing Pesquisa e Tecnologia do Brasil, Al Bryant, que liderou o estabelecimento de dois outros centros do tipo no mundo, o australiano e o chinês.

O Poder Aéreo esteve presente à coletiva realizada em São Paulo (SP), e traz mais detalhes sobre o que foi apresentado à imprensa.

O motivo de abertura desse centro, segundo a Boeing, é firmar a presença de longo prazo da empresa no Brasil. Donna Hrinak frisou que essa iniciativa está em consonância com os planos da presidente da República Dilma Rousseff, onde os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e engenharia estão entre as prioridades.

Para ressaltar o compromisso com o desenvolvimento tecnológico, Hrinak lembrou-se de que, quando assumiu a presidência da empresa no Brasil,  uma amiga lhe disse que o nome Boeing é usado praticamente como sinônimo de avião de passageiros por muitos brasileiros. O que ela deseja no futuro é que o nome no Brasil seja sinônimo de tecnologia, não só de aviões.

Já Al Bryant procurou frisar que a Boeing não faz sozinha a pesquisa que gera seus produtos, procurando abrir centros de pesquisa fora dos Estados Unidos, cada um atuando em áreas específicas da tecnologia, embora com alguns pontos em comum. Os centros funcionam como “hubs” de colaboração entre a Boeing e as organizações de P&D dos países, o que inclui universidades, empresas privadas e agências governamentais, e esse mesmo modelo deverá ser implementado no Brasil.

O primeiro centro global foi aberto em Moscou, na Rússia, há 18 anos, seguindo-se o da Europa (em Madri, na Espanha, em 2002), da Austrália (Melbourne e Brisbane, em 2008), Índia (Bangalore, em 2009) e China (Beijing, em 2009).

As principais áreas de pesquisa e desenvolvimento desses centros globais já estabelecidos são:

  • Rússia: tecnologia de materiais e processos, aeronáutica e testes;
  • Europa: ambiental, segurança, gerenciamento de tráfego aéreo, sistemas aéreos não tripulados;
  • Austrália: materiais compostos avançados, sistemas aéreos não tripulados, robótica leve, tecnologias para aeronaves em processo de envelhecimento, soluções centradas em rede;
  • Índia: análises de engenharia, programas (software), materiais e processos;
  • China: biocombustíveis, materiais, gerenciamento de tráfego aéreo, tecnologias de aviação “e-Enabled”.

Para o Brasil, as áreas sugeridas são: biocombustíveis, gerenciamento de tráfego aéreo, metais e biomateriais avançados, tecnologias de apoio e de serviços.

Bryant, que liderou a implantação do centro chinês (além do australiano), destacou algumas similaridades entre o que se pretende pesquisar no Brasil e o que é pesquisado na China. A mais óbvia é a área de biocombustíveis e de gerenciamento do tráfego aéreo, que buscam a instalação de centros de aviação sustentável – os dois aspectos são interligados pois, enquanto a pesquisa de biocombustíveis é uma iniciativa para o emprego de fontes renováveis de energia, a pesquisa na área de gerenciamento de tráfego aéreo busca uma maior conservação do combustível, evitando queimas desnecessárias tanto no solo (em filas para decolagem) quanto no ar (em esperas para o pouso).

Bryant ressaltou que, embora existam similaridades, as pesquisas na China e no Brasil deverão ter alguns focos mais específicos dentro dessas áreas, lembrando que no ano passado (em julho), já foram anunciados planos em conjunto da Boeing com a brasileira Embraer, para financiamento de pesquisa em biocombustíveis sustentáveis. Em 2011 também foi assinada (em outubro), uma carta de intenção com a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para um estudo detalhado visando o estabelecimento de uma “indústria de produção e distribuição de combustível de aviação bioderivado, sustentável e economicamente eficiente.”

Sobre a área de pesquisa de novos materiais, trata-se de uma iniciativa focada ainda mais no longo prazo. Deverão ser pesquisadas, tanto em ligas metálicas quanto em biomateriais, as possibilidades para ampliação da reciclagem dos materiais. Já sobre as tecnologias de apoio e de serviços, Bryant lembrou a grande presença dos produtos Boeing (aviões comerciais) no Brasil, para explicar que nessa área um dos objetivos está relacionado aos meios de tradução de documentação técnica para esse público crescente, ampliando a disponibilização de informações detalhadas em português (a maior parte é hoje em inglês).

Em geral, os objetivos são pesquisar em áreas-chave para a Boeing, fazer pesquisa no Brasil e para o Brasil, além de pesquisa para comercializar no mundo o que é desenvolvido aqui. Sobre pesquisas relacionadas à área militar, o executivo explicou que as tecnologias a serem desenvolvidas visam o emprego dual. Como nos demais centros, na medida em que a pesquisa se torna madura, ela se ramifica para o emprego das tecnologias em aeronaves comerciais e militares, passando então para áreas distintas que completam o desenvolvimento.

Mas ficou claro que é na área de biocombustíveis e materiais sustentáveis que deverá estar o principal foco do centro. O executivo disse que a relação com a Embraer está dentro do escopo do centro, pois o “centro de pesquisa conjunto Boeing/Embraer” estará coordenado com o novo centro de pesquisa e tecnologia da empresa no Brasil.  O peso dessa área ficou claro, na apresentação da Boeing, pelo destaque dado ao final à aeronave que deverá voar em breve no Brasil, o 787. Um dos objetivos é conseguir, no futuro, que esse avião voe completamente abastecido com biocombustível, de forma a ser a aeronave “mais verde” do mundo e com o valor mais alto de eficiência com o combustível (fuel efficiency).

Investimentos, material humano e prazos:

Bryant espera que, até o final deste ano, o centro esteja formalmente ativado. No início, trata-se de trazer engenheiros da própria Boeing para o Brasil, de forma a iniciar as tratativas com universidades, empresas e agências governamentais e traçar um “roadmap” (planejamento). Ele citou o caso dos demais centros, que costumam começar as atividades com 14 engenheiros da empresa, podendo chegar a 30 como no caso do maior deles, o da Austrália – mas essa equipe lida com atividades que envolvem diversos outros pesquisadores e, com o passar do tempo e a consolidação das relações, numa segunda fase podem ser instalados laboratórios.

O executivo lembrou também que na Austrália, onde está a maior quantidade de engenheiros da Boeing no centro local, a empresa mantém as instalações que mais empregam pessoas fora dos Estados Unidos (perto de 2.000 funcionários), beneficiando-se da pesquisa que é realizada naquele país.

O investimento para o centro brasileiro, nesta fase inicial, deverá seguir a média dos demais: entre 4 e 5 milhões de dólares anuais, o que não inclui os gastos com a instalação física do mesmo. O centro deverá ser instalado na cidade de São Paulo / SP.

Mas e o F-X2?

Mas o que a maioria dos jornalistas queria saber, na coletiva, era sobre a relação entre o anúncio da implantação desse centro e o programa F-X2 da Força Aérea Brasileira, em que a Boeing  concorre com o caça F-18 Super Hornet. Donna Hrinak afirmou que não há ligação entre o centro e o F-X2, dizendo que esse último é apenas um dos negócios pretendidos pela Boeing no Brasil – o centro é algo maior, cobrindo tanto a parte comercial, de projetos militares, de pesquisa, e vai além de qualquer decisão que o Governo Brasileiro tome em relação ao programa dos caças. “O Centro visa o longo prazo, é para gerações”, disse a executiva.

Hrinak também afirmou que, quando foi nomeada presidente da Boeing Brasil, em outubro do ano passado, seu superior lhe disse que sua principal atribuição aqui não era vender o F-18, e sim “estabelecer a empresa no longo prazo”. E, para isso, o que a executiva destacou como mais importante e atrativo era a competitividade do Brasil para a Boeing. Apenas em relação ao recente acordo com a Elbit / Aeroeletrônica para o desenvolvimento da tela de grande área (LAD – large area display), que deverá equipar novas versões do F-18 Super Hornet, a executiva tocou de forma mais direta no F-X2, mostrando um ponto em que poderá haver uma relação com a pesquisa do novo centro: essa parceria com a Elbit está relacionada às parcerias brasileiras com o F-X2, segundo Hrinak. Ela se relaciona sim com pesquisa e desenvolvimento, mas é de um outro programa de participação industrial, podendo no futuro ter ou não conexão com o centro.

Obviamente que, encerrada a coletiva, o assunto F-X2 continuou em pauta para 9 entre 10 jornalistas presentes, que “cercaram” Hrinak num lado da sala para mais perguntas relacionadas ao programa – mas ficou claro que naquele momento não sairia nenhum “furo” de lá, mesmo porque todos estavam ouvindo as mesmas respostas.

Aproveitando a relativa calma ao redor de Al Bryant, o Poder Aéreo conversou um pouco mais com o executivo. A maior parte do trabalho de implantação do centro brasileiro começará em maio, quando Bryant deverá se estabelecer definitivamente no País.  O executivo, que acumula 34 anos de trabalho na Boeing, ainda traz bem vivas as experiências de implantação do último centro, na China, confessando que a língua é um dos grandes desafios num trabalho que, antes de tudo, é de relacionamento.

Nesse caminho (e essa é uma interpretação nossa), acaba fazendo sentido que uma das linhas de atuação do centro seja justamente relacionada aos meios de tradução de documentação técnica, na medida em que, segundo a empresa, o Brasil é o mercado de aviação comercial que mais cresce na América Latina, com previsão de adquirir mais de 1.000 aviões nos próximos 20 anos. Um mercado que, na nossa opinião, merece que a maior parte da documentação técnica disponibilizada seja em bom e claro português.

Especificamente com relação à língua, o executivo disse que espera dominar melhor, em breve, o seu conhecimento de português para leitura, pois já tem familiaridade com o espanhol. Aproveitamos a ocasião para desejar que, logo que isso ocorra, ele possa fazer também uma boa leitura do exemplar da revista Forças de Defesa que recebeu, escrito em português.

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