F-18 no F-X2: ‘a mesma tecnologia que oferecemos a aliados mais próximos’

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Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, ex-embaixadora dos EUA e hoje representante da Boeing diz que quer parceria com o Brasil para desenvolver tecnologia

Mariana Barbosa

A venda de caças para a Força Aérea Brasileira (FAB) está há uma década na agenda da americana Donna Hrinak, 60. Tentar convencer a FAB a optar pelo avião militar norte-americano foi uma de suas missões quando assumiu a embaixada dos EUA no Brasil, em 2002, cargo que ocupou até 2004.

Agora Hrinak está de volta ao país, mas pelo lado do setor privado, comandando a representação comercial da Boeing -fabricante do F-18, caça que concorre com o francês Rafael (sic) e o sueco Gripen pelo contrato com a FAB estimado em R$ 10 bilhões.

“Quando penso no que tínhamos na época e o que estamos oferecendo agora, são dois mundos diferentes”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista à Folha.

Folha – A decisão da Força Aérea dos EUA de romper um contrato assinado com a Embraer afeta as negociações da Boeing na concorrência dos caças da Força Aérea Brasileira? Por que o Brasil deveria acreditar na promessa de transferência de tecnologia associada a uma eventual compra do F-18?

Donna Hrinak – São incidentes totalmente separados. Temos um histórico de trabalho com o Brasil. Quando o Brasil comprou os (caças) F-5, em 1972, não teve muita transferência de tecnologia. Mas, com o passar dos anos, na medida em que mais coisas foram sendo repassadas, o Brasil pegou todas.

Ao ponto de que hoje a Embraer é que está fazendo a modernização dos F-5. Não acho que esse incidente isolado traduza o tom da relação. Gosto de pensar que as pessoas são racionais e vão olhar para o relacionamento de longo prazo.

Sua vida ficou mais difícil?

Donna Hrinak – Quando se compara o que estava em jogo em 2002, no início do programa FX, e o que está sendo proposto agora, são dois mundos. Talvez a coisa mais significativa é que agora temos a garantia do presidente Barack Obama, da Secretaria de Estado, do Departamento de Comércio e das duas Casas do Congresso. Está todo mundo engajado e essa transferência de tecnologia foi aprovada antecipadamente, o que é inédito.

O presidente Obama já disse que a tecnologia que está sendo oferecida é a mesma que oferecemos para os nossos aliados mais próximos.

E como se dará essa transferência?

Donna Hrinak – Temos de parar de falar de transferência de tecnologia e começar a falar de desenvolvimento tecnológico. O que aconteceria numa parceria com os EUA e com a Boeing, para o Brasil, em termos de conquista de autonomia e desenvolvimento de capacidades para atender as necessidades da Defesa brasileira? Nenhum país é 100% autônomo, nem mesmo os EUA.

Não é uma questão de a Boeing trazer a tecnologia para o Brasil, mas como a gente pode ajudar a tecnologia que já está aqui, nas salas de aula, nos laboratórios, e levar isso para a indústria. E como levar isso para o resto do mundo, com os parceiros brasileiros, e como fazer para os dois ganharem dinheiro.

Algum detalhe sobre o programa que pode ser aberto?

Donna Hrinak – Assinamos um memorando de entendimentos com mais de 25 empresas que participariam do projeto. A Embraer é o lógico parceiro para se pensar. Colocamos na proposta a oportunidade para o Brasil produzir uma parte crítica do projeto. Não para o F-18 brasileiro, mas para todos os F-18s. Se a Marinha dos EUA quiser comprar o F-18, teria que contar com essa parte feita pelo Brasil.

Vocês já têm todos os parceiros?

Donna Hrinak – Ainda estamos identificando. Há empresas no Brasil que desenvolvem tecnologias de ponta. Na área de biocombustíveis, por exemplo. Não é apenas a questão de desenvolver essa tecnologia conjuntamente, mas de como aprender com o que vocês já têm aqui.

Somos a maior empresa aeroespacial do mundo, mas existe algo aqui no Brasil que não chega para o resto do mundo. Outro dia vi uma apresentação que mostrava a quantidade de pesquisa publicada no Brasil e a total falta de pedidos de patente.

Qual é o plano da Boeing para o Brasil? Vocês pensam em um centro de pesquisa no país?

Donna Hrinak – Estamos começando com pesquisas em biocombustível. Temos como missão (parceria com a Embraer e a Airbus) desenvolver o mercado e tornar economicamente viável o biocombustível de aviação.

Também estamos olhando outras opções, incluindo a possibilidade de montar um centro de pesquisas. Temos cinco centros fora dos EUA e acho que o Brasil oferece grande oportunidade para fazermos pesquisa em áreas como de materiais. Há grandes mineradoras que podem ser parceiras, como a Vale.

Como é voltar para o Brasil depois de quase uma década?

Donna Hrinak – Sempre fui uma entusiasta do Brasil, antes disso ser chique. Ou, como diz um amigo meu, antes de haver qualquer justificativa racional. (Risos)  Sempre achei que este país ia decolar e agora eu volto e vejo isso acontecendo. Claro que o progresso não é linear, sempre há idas e vindas. Mas, na vida, 90% é se mostrar, se exibir. E o Brasil está aparecendo em toda parte.

FONTE: Folha de São Paulo, via Notimp

FOTOS: Ministério da Defesa da Austrália e Marinha dos EUA

NOTA DO EDITOR 1: alteramos o título um tanto truncado da matéria original, “Proposta do caça só oferecemos para os melhores aliados”, para passar de forma mais clara aos leitores do Poder Aéreo o que a representante da Boeing disse à entrevista para o jornal.

NOTA DO EDITOR 2: é digna de destaque a parte em que a representante da Boeing diz que foi colocada na proposta “a oportunidade para o Brasil produzir uma parte crítica do projeto. Não para o F-18 brasileiro, mas para todos os F-18s. Se a Marinha dos EUA quiser comprar o F-18, teria que contar com essa parte feita pelo Brasil.” Mas, a não ser que seja uma parte prevista também para futuras modernizações da aeronave (um exemplo é o novo painel com tela única e itens relacionados), ou um item crítico de reposição habitual, é bom torcer para mais atrasos nas entregas do F-35.

Afinal, mais atrasos do F-35 poderiam gerar novas encomendas de F-18 por parte da Marinha dos EUA (USN) ou mesmo por outro operador do caça, a Austrália, e eventualmente por novos clientes. Vale lembrar que no caso de escolha do Super Hornet no F-X2, até se acertarem todos os detalhes e ser iniciada a fabricação de um item crítico produzido exclusivamente no Brasil, é bem provável que as atuais encomendas do F-18 pela USN no terceiro contrato do caça, o MYP-III (quatro vezes maior que o lote de 36 aeronaves previsto para o F-X2) já estejam entregues. Vale lembrar também que o MYP III oferece à USN a opção por mais 194 Super Hornet e Growler.

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