A resposta óbvia é porque seus F-5 estão ficando velhos e precisam ser substituídos. Mas isso é apenas parte da resposta. Dois documentos da Armasuisse (agência suíça responsável por aquisição de armamentos) um com data de publicação 30 de novembro de 2011 – a mesma do anúncio da escolha do Gripen – e outro com a data de 9 de dezembro do mesmo ano, trazem uma série de pontos em que se apoia a necessidade de lançar um programa para substituir a frota de F-5 E/F: o chamado TTE – Tiger-Teilersatz, ou substituição parcial do F-5 Tiger.

Nos documentos (clique aqui para abrir a página onde estão os arquivos pdf em francês), estão explicadas de forma bastante didática as funções da frota de caças F/A-18 e F-5 do país, com destaque para as limitações deste último. É mostrado como ambas as aeronaves são combinadas, algumas capacidades da Força Aérea Suíça que foram diminuídas e que precisam ser melhoradas com novos caças, além de diversos outros pontos importantes.

São informações que podem ajudar a entender melhor as necessidades suíças de um novo caça e embasar comentários sobre as notícias (muitas vezes bastante polêmicas) relacionadas à concorrência, que vêm aparecendo desde o anúncio da escolha do Gripen em novembro passado – e que levaram à convocação de uma coletiva de imprensa do Departamento de Defesa do país que noticiamos ontem. Seguem os principais trechos dos dois documentos, traduzidos e adaptados pelo Poder Aéreo na forma de um único texto:

TTE, ou a necessidade de substituição do F-5 Tiger

A Força Aérea suíça tem atualmente três missões. Elas são:

  • proteger o espaço aéreo (salvaguardar a soberania do espaço aéreo com policiamento aéreo – se necessário, controle do espaço aéreo como parte da defesa aérea);
  • realizar o transporte aéreo;
  • desenvolver e disseminar informação para o benefício dos órgãos políticos e militares.

A substituição parcial do F-5 permitirá que a Força Aérea Suíça recupere as capacidades de realizar  apoio a tropas terrestres e reconhecimento aéreo tático, que foram deixadas de lado temporariamente com a retirada de serviço do Hunter em 1994 e do Mirage III RS em 2004.

Para a defesa do país, as Forças Terrestres dependem da Força Aérea, garantindo a proteção a partir do ar, o ataque a alvos terrestres e o reconhecimento, por parte de aeronaves tripuladas e não tripuladas.

As capacidades atuais da Força Aérea Suíça

A Força é capaz de monitorar eletronicamente o espaço aéreo do país 24 horas por dia, 365 dias por ano. Normalmente essa capacidade se limita (por motivos financeiros e humanos) às horas normais de serviço de voo, em dias úteis, mas em caso de eventos que exigem maior controle e segurança – como o Fórum Econômico Mundial (WEF) em Davos, ou o Euro ’08 – aviões de combate podem estar operacionais após um período de preparação bem breve e por um prazo limitado.

De maneira permanente, a Força Aérea Suíça realiza missões de policiamento aéreo, o que inclui o monitoramento e o controle de aeronaves de outros países que requerem uma “liberação diplomática” para voar sobre o território suíço, assim como interceptar aviões que violem as regras de tráfego aéreo ou a soberania do espaço aéreo. Conforme exigido pela Organização da Aviação Civil (ICAO), estes aviões são interceptados e acompanhados para fora da área proibida ou para uma base aérea, onde podem pousar em segurança. Além disso, as aeronaves da Força Aérea também podem prestar auxílio em casos de problemas de navegação ou de comunicação por rádio.

No caso de crises e conflitos armados, a Força Aérea Suíça é capaz de cumprir, por um período bastante limitado, a sua missão de defesa aérea com os seus 33 aviões de combate do tipo F/A-18 Hornet, utilizando também seus 54 F-5 Tiger para apoiá-los de dia e em condições de boa visibilidade. Para a defesa antiaérea, estão disponíveis canhões médios AAe (35 mm) e sistemas de mísseis guiados Rapier e Stinger. Porém, estes são eficazes apenas a distâncias curtas e média altitude.

Por que é necessário substituir o F-5 Tiger?

O F-5 Tiger é obsoleto e sua eficiência operacional não é mais suficiente para atender aos requisitos de policiamento aéreo. Já os  33 aviões F/A18 restantes não são suficientes para garantir essa capacidade no longo prazo. Em situações normais, a Força Aérea pode garantir o policiamento aéreo, mas se eventualmente for necessário prolongar a presença no ar, os meios atualmente disponíveis  são insuficientes para responder a necessidades crescentes de controle e proteção.

Devido ao exíguo espaço aéreo suíço, as aeronaves são engajadas a partir de setores de espera no ar, para controlar e impor proibições de sobrevoo. Isso porque  sua permanência no solo – mesmo em alarme – não permite tempo de resposta suficiente para realizar uma intervenção. Quando é necessário garantir um máximo de segurança, deve ser possível monitorar completamente o espaço aéreo e seguir imediatamente para interceptar objetos voadores não identificados ou não cooperativos.

Para fazer isso, é indispensável manter no ar duas patrulhas aéreas de duas aeronaves cada – ou até mais, dependendo da situação – ou seja, pelo menos quatro caças no ar: quando uma patrulha está envolvida em uma intervenção, a outro pode continuar a vigilância do espaço aéreo. Modelos matemáticos aplicados pela Força Aérea mostram que tal missão, se for realizada pela frota de 33 aeronaves F/A-18, só poderia ser mantida 24 horas por dia por aproximadamente duas semanas. Mas, além disso, não haveria aviões suficientes para manter a taxa de substituição de caças no ar. Essa capacidade pode ser significativamente melhorada com a substituição do F-5 por um caça mais eficiente.

A história dos F-5 suíços e suas possibilidades


O projeto do F-5, caça desenvolvido nos Estados Unidos pela empresa Northrop, remonta aos anos 1950.  O  F-5 A/B “Freedom Fighter” voou pela primeira vez em 1959, e era destinada a equipar países aliados dos EUA que tivessem capacidade financeira limitada para adquirir caças. A versão F-5 E / F “Tiger II” também tinha essa destinação, e o voo da primeira aeronave de produção deu-se em 1972, sendo produzidas aproximadamente 1.400 unidades até 1987. O Parlamento Suíço aprovou em 1976 a aquisição de 72 caças (seis deles da versão F, biposta) e a primeira aeronave foi entregue à confederação Suíça em 1978. Com o programa de armamento adicional de 1981, outras 32 unidades (6 bipostas) foram adquiridas, chegando a um total de 110 aeronaves do tipo (nota do editor: os caças foram montados em linha de produção estabelecida na Suíça), e o fim da operação da frota era previsto inicialmente para 2010. A logística e a manutenção chegou a ser organizada em conformidade com esse prazo, mas essa desativação total da frota não ocorreu e hoje a Suíça ainda opera 54 caças F-5 E/F.

Depois de 30 anos de serviço, o F-5 atingiu o fim do seu ciclo operacional na Suíça. Seus aviônicos antiquados não permitem que ele atenda aos requisitos mínimos do policiamento aéreo. Trata-se de um projeto que respondia a necessidades de combate aéreo que remontam à Guerra da Coreia, onde o que importava era o mesmo que na Segunda Grande Guerra, porém a uma maior velocidade: a manobrabilidade para combates a curta distância, em condições de tempo bom. Ele pode voar à noite ou com mau tempo, mas não pode realizar missões de combate nessas condições.  Seu radar não pode captar objetos voando abaixo dele, e o caça não pode combater além do alcance visual, com mísseis guiados por radar. Seu armamento ar-ar é limitado a mísseis de curto alcance (AIM-9P Sidewinder) e canhões de 20mm e, num engajamento com caças mais modernos, as chances são de que o F-5 seja abatido bem antes que seu adversário entre no alcance de suas armas.

Além disso, a frota de F-5 da Suíça não pode ser reabastecida em voo ou trocar dados com outras aeronaves ou com o controle de terra (datalink). acumula danos estruturais devido ao longo uso, o que aumenta os encargos de conservação e manutenção.

Por outro lado, a operação do F-5 é menos complexa do que o de caças modernos, e assim os gastos com treinamento de pilotos são mais baixos – por isso é o único caça suíço em que podem voar os pilotos da categoria “de milícia” (os F/A-18 são voados por pilotos militares da Força Aérea).

O F-5 também realiza a missão de  “sparringpartners” para pilotos de F/A-18 Hornet em treinamentos de combate aéreo (similar a “Aggressors”), reboca alvos para tiros aéreos, cumpre missões de guerra eletrônica quando dotados de equipamentos para tanto, fazem medições de radioatividade e, por fim, exibições aéreas com a “Patrouille Suisse”.

Chegou-se a estudar a modernização do F-5. Isso seria possível, mas, na melhor das hipóteses, poderia satisfazer de forma aproximada os requisitos, mas não poderia no longo prazo prolongar o ciclo de vida do F-5. Pensando nisso, o custo estimado de um bilhão de francos suíços para a modernização de 30 caças F-5 foi considerado excessivo.

Quais seriam as alternativas para o TTE?

Drones –  As vantagens dos drones (aeronaves remotamente tripuladas) é que são silenciosos, podem permanecer muito tempo no ar e fornecer informações precisas. Mas têm a desvantagem de não serem rápidos o suficiente, sendo adequados mais para missões de reconhecimento, ainda que tenham capacidade adequada para combate. Atualmente, o custo de um UCAV (aeronave remotamente tripulada de combate) é aproximadamente o de um caça. Quanto a missões de policiamento aéreo ou combate, não são uma solução adequada nem hoje nem no futuro próximo.

Helicópteros – Têm a desvantagem de serem muito lentos, não conseguindo seguir jatos da aviação civil, não voarem alto o suficiente (ausência de cabine pressurizada) e não possuírem radar para funções ar-ar.

Mísseis superfície-ar – São armas adequadas para derrubar objetos voadores, e não para identificar, advertir, ou forçá-los a pousar. Assim, são inúteis para o policiamento aéreo, pois apenas atirar em um objeto voador não cooperativo não seria uma opção aceitável em tempo de paz.

Cooperação com outros países – Por várias razões, essa solução não pode ser levada em conta. Missões de policiamento aéreo e defesa aérea são formas de exercer e manter a soberania. O policiamento aéreo e defesa aérea são utilizados para o exercício e manutenção da soberania. São tarefas de exclusiva responsabilidade do estado, especialmente se é um país neutro. Mesmo no caso de uma aliança, os países têm a responsabilidade da defesa aérea sobre seu próprio território.

Aquisição de caças F/A-18 usados – Os caças F/A-18C/D não são mais produzidos, nem são encontrados atualmente no mercado de usados (como compras de oportunidade).

Modernização dos F-5 Tiger – Essa alternativa já foi mostrada, mais acima, como não adequada.

Conclusões:

Os F-5 são obsoletos e não vale a pena modernizá-los. Os 33 F/A-18 restantes não são suficientes para garantir as capacidades na longa duração, não sendo capazes de monitorar continuamente o espaço aéreo por mais de duas semanas . Em situações normais, a Força Aérea pode garantir o policiamento aéreo, mas no caso de necessidades de prolongar a presença no ar, os meios disponíveis hoje são insuficientes para responder a necessidades crescentes de controle e de proteção.  Alternativas examinadas não são relevantes o suficiente quando comparadas à aquisição de caças novos.

FONTE: Armasuisse (tradução, adaptação e edição dos textos: Poder Aéreo)

FOTOS: Força Aérea Suíça e Ruag

NOTA DO EDITOR: uma das informações mais interessantes do texto refere-se à doutrina de policiamento aéreo suíça, que leva em conta sempre ter 4 aeronaves voando em patrulha, 24 horas por dia e, principalmente, o cálculo que diz que os 33 F/A-18 não são suficientes para mantê-la por mais de 2 semanas seguidas. Assim, percebe-se que há uma necessidade quantitativa mínima para substituição do F-5, pois nesse caso a quantidade faz a diferença. Um número menor do que 22 caças, porém mais capazes (por exemplo, em carga de armamentos e alcance), embora possa oferecer vantagens em outras missões, como ataque terrestre, pode não ser o desejável para garantir a contínua substituição de aeronaves em patrulha na missão principal de policiamento aéreo. Assim, a contra-oferta de 18 caças feita recentemente pela Dassault poderia não satisfazer totalmente a Força Aérea Suíça. Uma proposta que reunisse vantagens financeiras e técnicas, mas mantendo o número de 22 Rafales, talvez possa satisfazer melhor as necessidades suíças (lembrando que essa é uma opinião que leva em conta unicamente as informações mostradas no texto acima).

Ainda no que se refere a quantidades, é citado rapidamente um programa de modernização do F-5, que poderia ser realizado em aproximadamente 30 aeronaves. Será que esse número de 30 unidades corresponderia às aspirações da Força Aérea Suíça para o total da frota de novos caças? Isso levaria, no futuro, a uma frota de pouco mais de 60 caças, aproximadamente metade F/A-18 e metade novos. O programa atual, que levou à escolha do Gripen, corresponde a 22 aeronaves, número considerado como a necessidade mínima de novos caças no curto / médio prazo.

wpDiscuz