Gripen para a Suíça: depois da guerra dos caças, a guerra das cartas

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A escolha do Gripen pela Suíça voltou ao noticiário dos jornais daquele país nesta semana – uma carta ‘anônima’ denunciando irregularidades no processo e uma outra carta, com nova oferta da Dassault, estão no centro das discussões

 

Nos últimos dias, diversos jornais suíços trouxeram notícias ligadas à escolha do caça Gripen sueco pela Suíça, após praticamente um mês em que quase nada foi publicado a respeito  – desde o anúncio da escolha, no final de novembro, o Poder Aéreo vem vasculhando essas mídias e, depois da avalanche inicial de notícias, pouca coisa de relevante apareceu sobre o assunto desde a última notícia publicada tendo como fontes jornais suíços, em 9 de dezembro.

Mas desde pelo menos o dia 25 a  escolha do Gripen, num programa que visa a substituição parcial da frota suíça de caças F-5, voltou com peso às páginas principais da mídia do país. Na quarta-feira, o jornal Basler Zeitung publicou matéria a respeito de uma carta “anônima” (na verdade, assinada por uma entidade que se apresenta como “grupo para um exército honesto e de credibilidade), escrita em francês, que denuncia irregularidades no processo de escolha. A carta de três páginas teria sido recebida na terça-feira, 24 de janeiro, pelo comitê de segurança do Conselho Nacional, assunto que também foi destaque do jornal 24 heures.

A carta põe em dúvida a avaliação da Armassuisse e a integridade do próprio ministro da Defesa Ueli Maurer , dizendo que vários parâmetros da avaliação foram alterados para favorecer o caça sueco. Segundo o Basler Zeitung, a carta foi recebida por Thomas Hurter, parlamentar do Conselho Nacional que acompanhou o processo em um subcomitê por três anos. Hurter disse que a denúncia está centrada na possibilidade de que a Armassuisse poderia ter modificado os parâmetros para que o Gripen atingisse os requerimentos mínimos, e também que os representantes da sueca Saab, fabricante do caça anunciado como vencedor da disputa, teriam feito uma oferta direta ao ministro, o que seria irregular. A carta também diz que quinze caças Dassault Rafale ou Eurofighter Typhoon poderiam substituir, com a mesma eficácia, a frota escolhida de vinte e dois Gripen.

Por outro lado, o jornal destacou que o fato de que a carta foi escrita em francês, e que diversos termos em alemão foram escritos erroneamente. Isso estaria levantando suspeitas de que foi enviada por pessoas interessadas em reverter a derrota do modelo francês que disputou a concorrência, o Rafale. Ou, pelo menos, para semear a confusão e gerar um “escândalo de caças”, o que prejudicaria o Gripen. Mas o jornal lembra que, segundo a Força Aérea Suíça, apesar do Gripen não ter atingido os mesmos padrões dos outros dois competidores na área operacional, o caça sueco cumpriu diversos outros requisitos importantes, como manutenção, logística e cooperação industrial, e isso justificaria sua vitória.

De forma unânime, o comitê de segurança do Conselho Nacional concordou, na terça, em examinar a decisão devido a essas novas questões que apareceram e, de fato, os defensores do Gripen estão interessados em que uma explicação completa sobre o assunto, de forma que a compra dos jatos possa ser incluída no programa de aquisições de armamento de 2012. A investigação será presidida por Thomas Hurter, que recebeu a controversa carta. Hurter espera que a Armassuisse faça uma explicação convincente de que a compra do Gripen – o mais barato dos três caças ofertados – foi um risco calculado, devido ao fato de que se trata de uma versão do caça que ainda está em desenvolvimento.

Entrevista com o parlamentar Yvan Perrin, membro do comitê de segurança do Conselho Nacional, também foi publicada pelo jornal 24 heures. Perrin é um dos sete membros que participará das investigações sobre as denúncias da carta “anônima”. Ele afirma que, apesar da decisão já ter sido tomada, será importante comprovar que não houve irregularidades para embasar a futura decisão pelo voto popular sobre a compra. E, em caso de ter havido falhas, é preciso ser coerente e justo com as instituições e fabricantes envolvidos. “É uma questão de justiça”, afirmou Perrin.

Ele acha que vai ser difícil mudar para outro caça concorrente no caso de cancelamento da compra do Gripen – o processo teria que ser retomado do zero. A investigação deverá ser rápida, pois durante o processo de compra já houve o acompanhamento por uma subcomissão, e espera-se a mais ampla cooperação do Ministério da Defesa, do contrário este daria a impressão de que estaria escondendo alguma coisa.

Perrin não nega que, com essas denúncias, os oponentes do Gripen (ou da compra de qualquer avião) ganham força, e o “Grupo para uma Suíça sem um Exército” não deverá esconder o seu prazer com os acontecimentos. Por outro lado, as denúncias já eram conhecidas, apenas o nível de detalhamento fornecido agora dá a entender que não é uma mera acusação jogada ao vento. Mas o fato é que, agora, essas denúncias estão incomodando os parlamentares que apoiam a compra, e por isso serão investigadas. Para defender o Gripen em um futuro referendo popular, Perrin afirma que quer ter a certeza de que a justiça prevaleceu na escolha, para que não se repita um caso como o do Dassault Mirage da década de 1960.

O que é o “caso Mirage” citado por Yvan Perrin?

Tanto Perrin quanto outros membros da comissão contactados, segundo o jornal 24 heures, vêm se referindo constantemente a esse escândalo, que apesar de fazer 50 anos, ainda parece bem vivo. Em 1962, o Parlamento deu luz verde para comprar o que foi considerado o melhor caça do momento, o Dassault Mirage III.

Mas a decepção veio depois. As despesas extras foram de 66% e, ao invés dos 100 caças Mirage pretendidos, foram adquiridos apenas 36. Concluiu-se, com uma investigação (o primeiro inquérito da história do Parlamento, segundo o jornal), que o Ministério da Defesa tinha enganado deliberadamente o Governo, a Assembleia Federal e o público.

A nova oferta da Dassault

Segundo o jornal  SonntagsZeitung, a Dassault fez, em 19 de janeiro, uma nova oferta para a Suíça, envolvendo a aquisição de 18 caças Rafale. A oferta dos 18 caças da francesa Dassault por 2,7 bilhões de francos suíços (2,2 bilhões de euros) seria aproximadamente 400 milhões de francos (331,7 milhões de euros) mais barata  que a de 22 caças da sueca Saab.

A Dassault também teria enviado uma carta a parlamentares dizendo que nunca recebeu a oportunidade de melhorar sua oferta no que se refere à relação custo-benefício. O representante do Senado Hans Hess confirmou que recebeu a carta.

A oferta original da Dassault era de 4 bilhões de francos suíços para 22 caças Rafale. Na nova oferta, o número foi reduzido a 18, que também foram adaptados para as necessidades suíças. Segundo o jornal (trazendo informações de outro meio, o Le Matin), o peso do armamento ar-terra foi reduzido com a retirada de sistemas de acoplamento de bombas de grande porte, porém sem modificar o raio de ação do caça.

Os franceses alegam que 18 Rafale são mais eficientes que 22 Gripen, o que um membro sênior das Forças Armadas concorda – na avaliação realizada na Suíça, três Rafale ou Eurofighter Typhoon corresponderiam a cinco Gripen. O menor alcance do Gripen levaria à necessidade de mais surtidas, com retornos para reabastecimento e remuniciamento, gerando a necessidade de mais pilotos para monitorar uma zona de exclusão aérea (nota do editor: o jornal não menciona que a versão avaliada pela Suíça foi a C/D, e a oferta atual da Saab refere-se à versão E/F, com capacidade superior).

“Se for necessário”, a Força Aéra Suíça poderia trabalhar com 18 Rafale ao invés de 22 Gripen, segundo o chefe da Força, Markus Gygax. Mas ele acrescenta que “essa é uma decisão política”.

Os franceses também oferecem cooperação militar, o que seria destaque na oferta, com acesso irrestrito a suas bases aéreas. Pilotos suíços poderiam operar nelas por várias semanas, utilizarem seus campos de tiro e zonas de voo supersônico no Mediterrâneo, assim como simuladores de voo e a logística francesa em exercícios internacionais.

Ainda segundo o SonntagsZeitung, há uma explicação para a nova oferta: os franceses estavam confiantes em novembro, devido às boas avaliações divulgadas a respeito das chances do Rafale na Suíça. Mas, depois da escolha do Gripen pelo país e com os problemas para vendê-lo ao Brasil, Índia e Emirados Árabes Unidos, eles reduziram o preço para os suíços.

Matéria deste domingo do Basler Zeitung acrescenta que, segundo o parlamentar Hans Hess, a carta da Dassault será discutida na próxima semana.  Já o Ministro da Defesa Ueli Maurer disse desconhecer a oferta francesa, e que isso significaria que não seria levada em consideração, porque para levá-la “seria necessário começar toda a avaliação de novo para tratar a todos de forma equânime”. A afirmação está no jornal suíço (em francês) Le Matin.

A respeito da proposta francesa, o Le Matin também destaca o diferencial do acesso aos satélites militares de reconhecimento Helios 1 e 2, assim como aos dados disponibilizados pelos AWACS franceses. Sobre valores, o jornal diz que o custo unitário do Rafale para a Suíça baixou em 15% (nota do editor: dividindo-se os valores divulgados conforme as notícias dos jornais mostradas acima, tem-se – grosso modo – uma oferta inicial de 4 bilhões de francos suíços a serem divididos por 22 caças Rafale, o que dá aproximadamente 181,8 milhões de francos por caça. Agora, com 2,7 bilhões de francos por 18 caças, o “valor unitário” cai para a cifra de 150 milhões. De fato, isso significa uma redução próxima a 15% no valor unitário das aeronaves, no qual deve-se incluir toda a divisão dos demais custos da oferta global).

Porém, ainda segundo o Le Matin, essa concessão pode ter vindo tarde demais.

FONTES: Basler Zeitung, SonntagsZeitung, 24 heures e Le Matin (notícias compiladas, traduzidas, adaptadas e editadas pelo Poder Aéreo, aproveitando também links sugeridos por nossos leitores)

FOTOS: Força Aérea Suíça e Armasuisse

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