entrevista do físico Thyrso Villela, diretor da área de satélites, ao site da revista VEJA

Em números, o programa espacial brasileiro passa a impressão de ser grande, com seus 20 satélites, 15 foguetes e três centros de lançamento — de acordo com informações da Agência Espacial Brasileira (AEB). No papel, está quase em pé de igualdade com potências emergentes como a China e a Índia. Na prática, contudo, o programa nacional, que em 2012 completa 18 anos, não apresenta resultados tão expressivos quando os outros membros do BRIC.

Dos 20 satélites listados no programa espacial brasileiro, apenas um está em funcionamento, quatro foram desativados por atingirem o fim da vida útil e 15 estão previstos para ‘um futuro próximo‘. Já entre os 15 foguetes, quatro estão em operação e 11 são previstos para os próximos anos. Dois centros de lançamento ainda são promessas.

No entanto, nada está perdido, acredita o físico Thyrso Villela, diretor da área de satélites, aplicações e desenvolvimento da AEB. O doutor em astronomia pela Universidade de São Paulo (USP) garante que o Brasil está passando por uma transformação espacial inédita. Villela está na AEB há três anos.

Nesta quinta-feira, o diretor fez uma apresentação sobre o futuro do programa espacial brasileiro no Instituto de Física da USP, durante a Escola Avançada de Astrobiologia, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Em entrevista ao site de VEJA, Villela explicou como pretende fazer a AEB cumprir sua parte para ajudar o Brasil a conquistar a independência espacial, transformando o país em um potência científica e tecnológica.

Durante sua apresentação, o senhor disse que a Agência Espacial Brasileira (AEB) quer começar a planejar com alto custo-benefício. Não deveria ser sempre assim? Por que isso é uma novidade? Porque nunca houve uma ação estruturada no programa espacial brasileiro. Existiram iniciativas isoladas, com institutos, como o Inpe, realizando experimentos separadamente.

Por que motivo nesses 17 anos de Agência Espacial Brasileira nunca houve uma ação estruturada? Tem toda uma história. Há um tempo era um ciclo vicioso: não tínhamos recursos humanos e não tínhamos recursos financeiros. Aí não tínhamos resultados. Se não tem resultado, vamos mostrar o que para captar recursos? Em seguida, quando os primeiros resultados começaram a surgir, tivemos sérios problemas de orçamento por vários anos.

O que nos garante que o ano de 2012 será melhor para o programa espacial brasileiro? Em 2011, o Ministro de Ciência e Tecnologia, Aloísio Mercadante, nos orientou que este ano seria de reflexão para a agência. É exatamente isso que estamos fazendo.

Não deveria ser um ano para trabalhar em vez de ficar refletindo? O programa espacial vinha com problemas há muito tempo. Precisávamos resolver isso. Não adianta colocar dinheiro na agência sem um propósito muito bem fundamentado.

Mas todos os programas espaciais do mundo têm problemas… É diferente…

Diferente como? Não quer dizer que ficamos parados. Fizemos várias coisas. Os projetos que existem continuaram em andamento. O CBERS-3, satélite construído junto com os chineses, com 50% de tecnologia brasileira, ficou pronto e está sendo testado. Tivemos avanços com a plataforma multimissão, com o veículo lançador de satélites, o projeto do satélite geoestacionário… No geral, o último ano do orçamento bianual, nesse caso 2011, é mais reflexivo. Se não tivéssemos repensado nossas estratégias passaríamos os próximos três anos estagnados.

A AEB está apostando alto em uma plataforma multimissão que vai servir de base para outros satélites, barateando o processo de construção. Contudo, o projeto que tinha cinco anos de previsão para ser concluído ainda não está pronto 10 anos depois. Por quê? É algo que nunca foi feito antes. Isso quer dizer que precisamos criar a tecnologia, testá-la e fazer com que ela dê certo com uma indústria que ainda está crescendo e aprendendo a produzir os componentes. É diferente de fazer uma ponte ou um prédio. Vários dos sistemas presentes na plataforma nunca haviam sido desenvolvidos no Brasil. No meio do caminho, muitos componentes que iríamos comprar acabaram entrando na lista internacional de embargo. Ou seja, tivemos que aprender sozinhos como fazer as partes que faltavam e isso acabou atrasando ainda mais o projeto.

Como o Brasil vai conseguir se livrar dos embargos internacionais? O único caminho é desenvolver a própria tecnologia. A questão de embargo é política e militar, mas também é profundamente comercial. Existem vários interesses em jogo e precisamos pegar os atalhos para chegar onde queremos.

O senhor disse durante a apresentação que o Brasil não tem escolha a não ser ter acesso independente ao espaço, referindo-se à construção de foguetes e satélites nacionais. Por que não temos essa escolha? Atualmente, qualquer sensoriamento remoto que o Brasil quiser fazer, seja o monitoramento do desmatamento da Amazônia ou a previsão do tempo, depende de satélites internacionais. Existem acordos para que a utilização desses equipamentos seja garantida, mas ninguém sabe o que pode acontecer. Estamos nas mãos de outros países. Durante a Guerra das Malvinas e o furacão Katrina ficamos praticamente sem imagens de satélite. É uma posição muito vulnerável. Não é ufanismo nem nacionalismo. O Brasil precisa ser capaz de lançar os próprios satélites de forma independente.

O que mais o país poderia ganhar com independência espacial? Somos um país com uma extensão territorial enorme. Temos vários recursos minerais que precisam ser conhecidos e explorados da melhor forma possível. O que ganhamos com informação de meteorologia, por exemplo, chega a ser o equivalente ao que gastamos com nosso programa espacial anualmente, cerca de 300 milhões de reais.

Mas esse dinheiro, uma vez economizado, seria revertido para a AEB? Estamos trabalhando para isso. O programa espacial brasileiro apesar de ser velho, é novo. Começou há 50 anos, mas veio parando. Ficamos estagnados no tempo e acabamos não tendo investimento. Para se ter ideia, o mercado de serviços de satélites é da ordem 200 bilhões de dólares por ano. Não estamos querendo entrar nesse campo pela aventura tecnológica. Queremos tudo que vem junto: empresas brasileiras de altíssima tecnologia, cursos universitários de ponta, institutos especializados. É algo que se espalha pela economia e melhora a qualidade dos empregos. O Brasil não pode continuar sendo o celeiro do mundo, isso é ridículo.

Já existem exemplos de empresas brasileiras que se especializaram em tecnologia espacial? Essa é uma das missões da agência: fomentar o parque industrial brasileiro de alta tecnologia. O parque é pequeno, mas existe. Temos o exemplo dos satélites Amazônia-1 e CBERS. Trouxemos uma empresa que não tinha nada a ver com o programa espacial. Ela fez contribuições importantíssimas com um instrumento ótico e componentes de câmeras. Agora, ela é nossa parceira.

O Brasil teve três lançamentos fracassados com o Veículo Lançador de Satélites (VLS), um deles causando a morte de 21 pessoas em 2003, no Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. O Brasil está pronto para lançar os próprios satélites? Os dois primeiros voos do VLS-1, sob o ponto de vista estritamente técnico, foram bons. Veja o que os Estados Unidos tiveram que fazer para conquistar o espaço. Eles tiveram uma série de acidentes, muito mais do que já tivemos. Também estamos aprendendo sozinhos. O sistema de controle, por exemplo, que é uma parte complicadíssima do foguete, funcionou perfeitamente. Esperamos que os voos experimentais do VLS-1 se iniciem em 2012 e ele esteja em operação em 2016.

A exemplo da fabricante de aviões americana, Boeing, que ajuda a Nasa na construção de foguetes, por que a AEB não conta com a parceria da Embraer? Não é uma possibilidade totalmente descartada. Na área espacial, todas as empresas fortes se envolvem com o Ministério da Defesa, que coordena a construção de foguetes. Metade dos artefatos que orbitam a Terra é militar. A Embraer vai construir um satélite geoestacionário, o primeiro brasileiro, e vai operá-lo junto com a Telebrás. O dinheiro, 700 milhões de reais, já está alocado. Os passos estão sendo dados.

O senhor disse na apresentação que o orçamento da AEB vai triplicar em dois anos, passando de 200 a 300 milhões de reais por mês, para algo entre 600 e 900 milhões de reais. Dado o histórico financeiro da agência, como o senhor espera que isso aconteça? É um caminho inevitável. O passo mais difícil já foi dado. Os satélites geoestacionários têm prazo de validade. Vamos precisar repô-los a cada 15 anos. Isso quer dizer que haverá uma indústria por trás da construção da sonda, indefinidamente. Daí a coisa começa a andar, em todos os setores. Se não fizermos isso, teremos que contratar o serviço. Estamos fazendo o satélite justamente para não termos que gastar 60 milhões por ano alugando dos outros. É por isso que esperamos que o governo mantenha o projeto em gestões futuras e o orçamento seja triplicado.

Atualmente a AEB gasta menos de 1% — do já reduzido orçamento — em ciência, cerca de três milhões de reais. Como a AEB espera avançar em conhecimento gastando tão pouco? Em 2012 estamos planejando gastar cinco vezes mais em ciência, algo na ordem de 15 milhões de reais. Estamos nos aproximando das universidades para que elas tenham equipes preparadas para atender as necessidades da agência e para que elas tenham espaço para realizar seus experimentos.

Mas isso está longe de acontecer… É verdade. Mas veja, falo isso tranquilamente. Ainda não temos a garantia de que uma missão vai existir. Ninguém quer arriscar a carreira e chegar lá e não dar em nada.

Então que cientista se arriscaria aliar-se à agência agora? Se garantirmos o acesso, o lançamento do projeto e o recurso financeiro, as coisas acontecem. Foi o que fizemos no Itasat, uma pequena plataforma de satélite desenvolvida pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica e outras instituições.

O que foi feito? Garantimos o recurso, cerca de 5 milhões de reais e a plataforma foi desenvolvida com sucesso. Agência, indústria e cientistas trabalharam em conjunto. Há um desconto por causa do desenvolvimento tecnológico, mas ele será incremental. Vamos andar como todo mundo andou: aprenderemos a engatinhar, dar os passos depois correr.

Qual é a nova missão da Agência Espacial Brasileira? Vamos publicar em janeiro um documento mostrando quais tecnologias que vão nos nivelar com outros países e quais são de vanguarda. Vamos organizar encontros, workshops e vamos nos aproximar dos cursos de engenharia espacial. Temos pesquisadores brasileiros que realizam pesquisas de ponta. Essas pessoas contribuem para o avanço do conhecimento, mas que não têm projetos voltados para as necessidades da AEB. A contradição está aí. Temos um capital humano preparado, mas eles não sabem dos nossos problemas. Vamos virar essa mesa e, com eles, faremos a coisa passo-a-passo.

FONTE: Veja

COLABOROOU: H. C. de Oliveira

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