‘Bom o bastante’: o novo mantra de quem decide as compras de defesa?

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Suíça dá um impulso para o Gripen NG da Saab

É com a pergunta “será que ‘bom o bastante’ é o novo mantra para os decisores das compras de defesa?” que o articulista Robert Wall, da Aviation Week, inicia uma análise bastante interessante das atuais competições  internacionais de aviões de caça. O título original é “Suíça dá um impulso para o Gripen NG da Saab”, que preferimos deslocar para o subtítulo, dada a perspicácia da pergunta de Wall. O texto é razoavelmente extenso, mas vale a leitura. Boa discussão a todos!

O ministro da Defesa da Suíça, Ueli Maurer, é impassível em reconhecer que o governo não optou pela aeronave mais capaz quando decidiu pelo Gripen NG, em detrimento do Dassault Rafale e do Eurofighter Typhoon. Ao contrário, a decisão foi pelo avião que atende aos objetivos – e por um custo que libera dinheiro para outras necessidades de defesa. Seria simplista dizer que se trata um exemplo aplicado de mentalidade de um banqueiro suíço. Na verdade, a escolha não difere muito da decisão dos Estados Unidos pelo seu novo avião reabastecedor (KC-X), na qual o preço foi mais importante que a capacidade geral no processo conduzido pelo Pentágono, quando este optou pela versão reabastecedora do Boeing 767 ao invés da oferta do EADS A330.

Se essa forma de pensar acabar pegando, isso acabaria se mostrando como boas notícia para o Gripen pelo mundo. Com uma nova rodada de competições de caças no horizonte – muitas associadas a países sem preocupações com ameaças “top” como é o caso do Japão e da Coreia do Sul – as considerações sobre preço poderiam ganhar importância. Dinamarca e Bulgária, por exemplo, estão pensando em encomendas de caças, e a República Tcheca e a Hungria, onde há inclinação pelo Gripen, também têm que solidificar seus planos de longo prazo para aviões de caça conforme seus contratos de “leasing” cheguem ao final.

Para a Saab, a decisão suíça pela compra de 22 JAS 39E/F Gripen NGs para substituir sua frota de F-5 Tiger traz o benefício adicional de colocar a próxima geração de seu caça monomotor em terreno firme. A Suécia já vinha dizendo que compraria o avião, e o receber um compromisso de exportação acaba formalizando mais cedo o cronograma.

A Suécia, que planejava iniciar a operação da nova versão do caça por volta de 2017, tinha se comprometido a acelerar seu cronograma para conciliá-lo com o de qualquer cliente de exportação. A Suíça pretende começar a operar seus primeiros novos caças em 2015, com entregas se estendendo por 2 ou 3 anos. Portanto, a Suécia procura agora colocar nos seus planos uma encomenda inicial de 10 aeronaves, mais cedo que o planejamento original.  Um dia depois do anúncio suíço, o comitê de defesa do parlamento sueco confirmou a compra antecipada de 10 JAS 39E/F. O governo como um todo deverá assinar um contrato detalhado no ano que vem.

Essas notícias poderiam ser boas para a concorrência brasileira, onde o Gripen enfrenta o Boeing F/A-18E/F e o Rafale. Uma decisão é esperada para o primeiro trimestre de 2012, e autoridades da Força Aérea Brasileira já vêm dizendo que o novo caça precisa ser colocado em operação em 2017.

Para a Dassault, a decisão suíça é apenas a última de uma série de assombrosos revezes para o Rafale na esfera de exportação. Isso foi especialmente doloroso porque veio apenas dias após os Emirados Árabes Unidos terem colocado em dúvida uma venda há muito antecipada do Rafale. Os Emirados culparam a Dassault pelo país não estar correspondendo à boa vontade do Governo Francês para finalizar o acordo. Mas também é um contratempo para o presidente francês  Nicolas Sarkozy, por estar numa cruzada a favor do Rafale.

A equipe conjunta da indústria e do governo franceses estava otimista em fazer a escolha suíça pender para o Rafale, em parte pela promessa ao fácil acesso a áreas de treinamento na França, ajudando a Força Aérea Suíça a superar o problema de restrições no espaço aéreo que tem no país. O ministro Maurer retruca que o Governo Suíço examinou a opção de comprar menos aeronaves, mas que deseja caças suficientes para dotar dois esquadrões operacionais e atender às necessidades de treinamento (o programa já havia sido diminuído em relação à proposta original de dotar três esquadrões).

A decisão também marca um revés para outro competidor, o Typhoon. O Consórcio Eurofighter esperava que a Suíça fosse atraída pelo fato de que três de seus vizinhos – Alemanha, Itália e Áustria – já operavam o caça.

Para o Typhoon, e mais ainda para o Rafale, a escolha suíça intensificou a pressão por uma vitória no programa indiano do avião de combate multitarefa de porte médio (Medium Multirole Combat Aircraft – MMRCA), onde os dois são os últimos competidores após o Gripen e outros terem sido eliminados. É o maior programa atual de aquisição de caças, e uma decisão poderia vir antes do final do ano.

Ambos podem, talvez, receber algum benefício decorrente da decisão suíça, já que o ministro Maurer sugeriu que ambos os competidores derrotados ofereciam desempenho melhor, algo que a Índia pode valorizar mais do que a Suíça. Além disso, o ministro disse que todas as três ofertas atenderam aos requerimentos governamentais de desempenho, participação industrial e de offsets (compensações) de 100% do contrato.

Ainda assim, ele praticamente não deixou dúvidas de que o Gripen foi uma clara escolha. Os custos de aquisição foram consideravelmente menores – espera-se que fiquem abaixo de 3 bilhões de francos suíços (3,2 bilhões de dólares) – e o caça também levou vantagem nos custos ao longo do ciclo de vida de 30 anos.

Além disso, a Suíça se mostrou satisfeita com o potencial de cooperação industrial oferecido pela Saab. Com o desenvolvimento do Gripen NG ainda a ser completado, há uma oportunidade para trabalho técnico de maior valor. Apesar de diversas empresas suíças poderem se beneficiar do contrato – elas seriam de qualquer forma, qualquer que fosse o vencedor – a Ruag será, provavelmente, a maior beneficiada. Foi afirmado pela companhia que seria importante que a mesma servisse como centro de manutenção, reparo e revisão da aeronave, independentemente da escolha do vencedor.

A Suíça e a Suécia começarão agora a detalhar o programa. Nos próximos meses, os dois países decidirão como será resolvido o treinamento de pilotos, incluindo o provável treinamento na Suécia. Também estará em discussão a localização da linha de montagem final.

Além da localização, a configuração específica do caça também estará em discussão, e esse continua sendo um ponto controverso. A Suíça indicou que compraria um caça “de prateleira” e a natureza do desenvolvimento de partes do NG está levantando mais do que as sombrancelhas por aí. A Dassault reclamou que o Gripen “feito sob medida para a Suíça” só existe no papel, acrescentando que “seu risco de desenvolvimento técnico e de produção aumenta significativamente os esforços financeiros requeridos às autoridades suíças para cumprir com o programa de aviões de caça do país.”

Assim que o programa foi finalizado, ainda será necessário o endosso de diversas instâncias políticas, incluindo uma submissão ao parlamento em meados de 2012, com a meta de completar o acordo por volta do final do ano, para inclusão no plano de aquisições de 2013. Uma compra de caças na Suíça sempre é marcada pela discórdia, mas o acordo deverá passar porque a maioria do parlamento está ansiosa para que aconteça. De fato, o poder executivo estava pronto para segurar o programa, mas o parlamento decidiu ir em frente, em parte para aproveitar a vantagem do franco suíço valorizado, que dá uma vantagem relativa no preço dos caças.

O ministro Maurer disse que, em relação a um futuro substituto para a frota de F/A-18, a desisão pelo Gripen para esse papel ainda está pendente. Certamente ele será um competidor, mas outras aeronaves também seriam, tanto tripuladas quanto não tripuladas, sugere Maurer.

Para a Saab, há mais um ponto a favor: as incertezas sobre a linha de produção do Gripen foram consideravelmente diminuídas. De todos os competidores ocidentais para exportação de caças, o Gripen tem o menor “backlog” (reserva de encomendas). A encomenda suíça, somada aos planos suecos de aquisição, efetivamente deixará a Saab numa posição segura até pelo menos o final da década.

FONTE: Aviation Week (tradução, adaptação e edição: Poder Aéreo)

FOTOS: Saab

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