Piloto do Poder Aéreo voa no simulador do Gripen em São Paulo

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Mas o título desta matéria também poderia ser: como esquecer velhos hábitos de ‘pilotagem’ com a tecnologia Fly-by-Wire dos novos caças

A primeira coisa a dizer é que não sou piloto de verdade, por isso as aspas no título e no subtítulo. A segunda é que foi um choque de realidade. Mas, para o bem do ego, o choque não envolveu nem o solo e nem obstáculos terrestres ou aéreos, afinal não sou tão “novato” assim – apesar de não praticar há anos, acumulei muitas centenas (talvez um milhar ou dois) de horas em simuladores de PC ambientados na Segunda Grande Guerra. O que praticamente não serviu pra nada, é verdade. E a terceira coisa é que o “voo” foi uma delícia.

Imaginem um piloto de Bf-109 que tivesse sido abduzido por extraterrestres (sem acesso à avançada cabine de pilotagem do disco-voador, é claro) e, depois de décadas sem envelhecer, fosse devolvido ao cockpit de um moderno caça equipado com sistema de voo Fly-by-Wire. Pois é, foi como me senti ao receber as primeiras instruções antes de decolar e, rapidamente, perceber o quanto tinha que esquecer dos velhos “hábitos de pilotagem” do temperamental Messerschmitt, no qual “acumulei” a maior parte das horas de simulador. Mas, quando tirei a foto que abre esta matéria, já estava me acostumando com as vantagens, fazendo um rasante sobre uma cidade sueca a quase 1.000 km/h sem tocar no manche ou na manete, o que permitiu usar tranquilamente a câmera (na foto acima, estou na cabine – nas demais, obviamente não estou porque são de fora da cabine e mostram cenas do voo de outra pessoa, para ilustrar).

Vamos voltar um pouco essa história para entender o “voo” desde o começo. O simulador do Gripen (configurado para a versão C) foi trazido a São Paulo pela Saab para o “Open Innovation Seminar”, evento que começou na quarta-feira, 23 de novembro e vai até sexta, dia 25. Estive lá representando o Poder Aéreo a convite da Saab, que é uma dentre várias empresas participantes, e é certo que a presença do simulador no hall do espaço de convenções do Grand Hyatt Hotel deu um peso extra à sua participação. Afinal, quando cheguei num dos intervalos e aguardava o início de um dos eventos do dia (do qual vou falar em outra matéria), era difícil até chegar perto do simulador, dada a quantidade de gente em volta.

Mas algum tempo depois, com o término do painel que acompanhei e com a dispersão do público para diversas salas de atividades e outros painéis, o hall ficou vazio e o cockpit do Gripen foi “só meu” por quase meia hora.

Hora de tomar lugar no assento e de perceber, durante a tarefa de enfiar as pernas, como a boca da calça social não combina com os botões das telas multifunção do painel. Já cuidadosamente instalado na cabine, a primeira coisa que o instrutor sueco Stefan Svensson me perguntou, em inglês fluente, foi o meu “background” (histórico em aeronaves). Expliquei que não era piloto, apenas de simuladores de PC da Segunda Grande Guerra e mesmo assim já muito enferrujado. E ele rapidamente disse que eu deveria esquecer boa parte do que tinha me acostumado nesses “voos”, porque os comandos Fly-by-Wire do Gripen são uma experiência muito diferente.

Em poucos minutos, Stefan me passou muito mais informações do que meu cérebro seria capaz de decorar naquela situação – culpa minha, não dele, afinal metade de mim queria prestar atenção e a outra metade dizia “Cacilda, decola logo esse troço!”. Mas antes de decolar me acostumei com o longo curso da manete (throttle), com a força necessária para vencer a resistência na passagem de iddle para a fase seguinte, que vai até a máxima potência militar e daí para o acionamento do pós-combustor (afterburner), que também é graduado. E também com a simbologia do HUD (visor ao nível dos olhos), que faz parte da própria projeção na grande tela semicircular, com o curso e resistência do manche, com a leveza dos pedais, que estariam pressionados para frear a aeronave antecedendo a corrida de decolagem. Isso fora algumas funções bem básicas dos botões instalados nos comandos (conceito HOTAS – mãos na manete e no manche), das quais esqueci a maioria muito rapidamente e, é claro, também a descrição do procedimento simples para recolher o trem de pouso e a velocidade máxima para fazê-lo, que tentei não esquecer (hum, você já deve estar adivinhando o que aconteceu…).

E também houve toda a explicação de que deveria esquecer, isso sim, o jeito tradicional de pensar e agir com o manche e os pedais (o “pé e mão”), pois eles não iriam necessariamente movimentar ailerons (no caso os elevons), profundores (canards no Gripen) e leme, mas sim as superfícies de controle que o sistema Fly-by-Wire decidisse como ideais para direcionar o avião para onde eu quisesse. E, no início, esquecer os velhos hábitos foi bem mais difícil que aprender os novos, o que só percebi depois, em “voo”. Essa é a grande, aliás gigantesca, diferença dos comandos assistidos por computador.

Havia pedido para Stefan me “cantar” as velocidades e os ângulos para uma decolagem simulando um alarme (scramble), para uma rápida ascenção a 30.000 pés. E assim foi. Coloquei a potência em máxima militar, soltei os freios e “disparei” pela pista. Em poucos segundos ele me disse para acionar o pós-combustor e logo depois puxei o manche para um início de subida a 20 graus. Mas me distraí perguntando se teria que mexer em algum comando para recolher flaps (resposta negativa – estava no automático e na verdade são slats no bordo de ataque e elevons no de fuga). Com isso, esqueci de recolher o trem de pouso, fazendo com que fosse ultrapassada a velocidade de seu recolhimento. Já ia nivelar e reduzir potência para diminuir a velocidade com segurança quando Stefan me sugeriu, ao contrário, aumentar o ângulo e manter o pós-combustor ligado. A razão de subida aumentou e a velocidade diminuiu para a correta em que se recolhe o trem de pouso.

Recolhido o trem, a velocidade aumentou na hora e o ângulo foi acentuado. Piada daqui, piada dali, e logo estava a uns 30.000 pés com o caça num ângulo de 80 graus e com o primeiro aviso para diminuí-lo ou nivelar, para não perder sustentação (por favor, não me perguntem em quantos segundos se deu a decolagem e o tempo exato para chegar àquela altitude – muita coisa para decorar e, sozinho, não tinha como anotar. Mas foi tudo bem rápido, pois sobrou muito tempo para as fases seguintes do voo).

Rolei para nivelar invertido e depois rolar de novo, simulando um nivelamento sem “sofrer” G negativo caso esta fosse uma situação real. Mas não fiz uma manobra muito bonita justamente por causa dos meus “velhos hábitos”: forcei menos o manche do que deveria “pensando” (na verdade agindo por instinto) em ajustar a manobra no leme, o que é quase mandatório em várias manobras para não estolar num Bf-109, mas que não faz sentido no Fly-by-wire do Gripen. Então voltei à subida para seguir o conselho do bem-humorado instrutor, que disse não se importar com G negativo voando num caça real (e até gostar disso): nivelei, simplesmente apontando rapidamente o nariz para o horizonte. Mais piadas daqui e dali e, não demorou muito, ultrapassei Mach 1 e o avião, “ensaboado”, já chegava a Mach 1,5. Mas queria fazer algumas manobras em velocidade subsônica, então baixei para potência militar, subi um pouco para perder velocidade mais rapidamente e comecei a experimentar curvas e rolamentos lentos e rápidos, entendendo por fim a facilidade de apenas dar uns toques no manche para um lado, depois compensar para o outro lado, e apontar o nariz da aeronave para onde bem entendesse.

Stefan então me mostrou a utilidade dos pedais num voo em rota para um alvo, por exemplo. Acionei um comando no manche e tirei as mãos tanto dele quanto da manete, com potência já ajustada para manter aproximadamente 0.9 Mach. E pude fazer curvas na inclinação perfeita e sem perda de altitude, apenas usando os pés, sem tocar no manche. As mãos ficam assim liberadas para qualquer atividade manejando os botões laterais das três telas de cristal líquido (head down), aqueles que quase enrosquei na boca da calça ao entrar. Já as telas, vistas bem de perto quando estamos sentados na cabine, parecem bem maiores do que quando apenas olhamos de fora (como mostram algumas das fotos que ilustram esta matéria e que, lembro mais uma vez, à exceção da primeira são do voo de outra pessoa). Ou quando vemos fotos dos painéis em sites e revistas. Acompanhei na tela de navegação a rota já feita e a direção a seguir, para voltar para perto da pista.

E falando em fotos, com essa facilidade de comandar curvas inclinadas usando os pedais daria até para captar algumas imagens dessa fase do voo. Mas só lembrei disso depois, quando já voávamos sobre uma cidade sueca cujo nome Svensson me falou mais de uma vez (e onde ele trabalha, bem ao lado da pista do aeroporto), mas que obviamente também esqueci, em meio a tanta informação. Mas hoje à tarde, se me encontrar com ele de novo, prometo perguntar. Porque amanhã é dia de publicar a segunda parte desse “voo”, ainda em tempo de escrever o nome correto daquela cidade sueca.

VEJA A SEGUNDA PARTE:

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