Depois do fim da Copa e das Olimpíadas, 2017 será o começo do fim da FAB?
F-X2: um programa com a faca, o queijo e o pires na mão
Reportagem da Aviation Week mostrada ontem no Poder Aéreo (clique aqui para acessar) trouxe a confirmação de uma informação que há muito circulava neste site e em diversos meios, sobre o prazo de desativação dos primeiros caças F-5M da FAB. O tenente brigadeiro do ar Gilberto Antonio Saboya Burnier, comandante do COMGAR (Comando Geral de Operações Aéreas), afirmou que em 2017 os primeiros F-5M deverão ser desativados.
Nas últimas semanas, nossos leitores puderam ver como andam os trabalhos para manter e eventualmente ampliar a frota de F-5M da FAB, notadamente com os três modelos bipostos adquiridos junto à Jordânia e que, após o término de suas inspeções no Parque de Material Aeronáutico de São Paulo (PAMA-SP), deverão seguir para modernização na Embraer (clique aqui para acessar matéria com links para toda a série). É de se esperar que os oito monopostos “ex-jordanianos” sigam o mesmo caminho dos bipostos, uma vez que o contrato de modernização já publicado no DOU inclui estas células.
Mas, levando-se em consideração os pouco mais de cinco anos que nos separam de 2017, pode-se conjecturar que a entrada em operação desses onze (caso ocorra tudo bem nos processos de revisão e modernização) praticamente sirva para compensar a baixa de outros tantos caças. Assim, ao invés de uma ampliação, praticamente deverá ser mantido o total de 46 aeronaves do tipo, pouco mais, pouco menos, conforme o desgaste das aeronaves mais voadas da frota (que ao menos contará com um ligeiro aumento na proporção de bipostos).
Já se especulou que esses onze F-5, logo que modernizados, poderiam substituir os F-2000 (Mirage 2000C) do 1º GDA (esquadrão Jaguar), o que até fazia sentido. Mas, para estes últimos, uma recente aquisição de peças deverá garantir a operação somente até 2013, aparentemente não mais do que isso. Ou seja, os dois anos que temos pela frente são um prazo um tanto curto para a modernização de todos os onze F-5 ex-Jordânia que estão no PAMA-SP, levando em conta que oito deles (os monopostos) mal iniciaram os trabalhos de inspeções e reparos. Além disso, deve-se levar em conta não só a perspectiva de baixa dos primeiros F-5M alguns anos depois, em 2017, mas o fato da frota do tipo já ser reduzida hoje.
O impacto só não é maior porque cortes orçamentários levaram a uma redução drástica nas horas de voo, culminando na decisão de encostar aproximadamente 1/3 dessa frota, para também não gerar gastos de manutenção, conforme informações de fontes da FAB. Ou seja, o problema da falta de caças só não é maior devido a um outro problema, o da falta de recursos, que afeta a própria manutenção da capacidade dos nossos pilotos!
Em março deste ano, fizemos algumas contas para mostrar o impacto de uma possível desativação prematura dos F-2000 do esquadrão Jaguar (clique aqui para ver matéria da época), onde colocamos “a nu” a situação da frota de F-5M. Ontem, as palavras do brigadeiro Burnier na reportagem da Aviation Week ajudaram a tirar mais algumas peças de roupa dessa situação, mas vale a pena atualizar as contas.
Para entender como a frota atual é pequena (descontada a questão das aeronaves encostadas devido à absurda redução nas horas de voo deste ano), basta subtrair desse número de 46 caças F-5M os cinco que eram vistos em revisão no PAMA-SP em outubro deste ano, e mais um que normalmente é alocado para missões de testes de armas e sistemas. Sobram 40, a serem divididos entre quatro esquadrões: os dois do 1º Grupo de Aviação de Caça, de Santa Cruz (que operam suas aeronaves em “pool” nos esquadrões Jambock e Pif-Paf) o 1º/14º Grupo de Aviação (esquadrão Pampa), de Canoas e o 1º/4º Grupo de Aviação (esquadrão Pacau), de Manaus. Dividida a frota realmente operacional de F-5M por quatro esquadrões, chega-se a apenas 10 aeronaves por esquadrão, das quais, a qualquer momento, uma porcentagem estará sofrendo manutenção / inspeções periódicas e rotineiras em suas bases. Isso dá menos que o “mínimo” de doze caças que se costuma aceitar em várias forças aéreas dignas desse nome.
Na verdade, o 1º/4º GAV opera uma quantidade bem menor de aeronaves do que isso, por ter feito apenas recentemente a transição para o F-5M e estar aguardando melhorias em sua base para permitir o aumento de sua dotação – o que deixa sobrar um pouco mais para os outros três esquadrões. Mas essa situação do Pacau é algo que não faz sentido manter por muito tempo, ainda mais numa região, como a Amazônia, onde o frequente desdobramento em frações é uma doutrina necessária em uma área tão grande (levando-se em conta também o alcance relativamente curto do F-5). O que já seria difícil de se fazer com meras 10 aeronaves por esquadrão, fica ainda mais complicado com apenas metade desse número, que é a situação atual do esquadrão! Mais cedo ou mais tarde, o Pacau precisará ser reforçado para justificar sua própria existência e emprego naquela região.
Mas enfim, onde queremos chegar com essas contas? A uma outra contagem, a regressiva
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Em todo o Brasil, diversas notícias da mídia em geral tratam do muito que falta a fazer e do prazo cada vez mais exíguo para a preparação de dois grandes eventos: a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Mas o relógio também corre (e há muito mais tempo) para a desativação dos caças supersônicos da FAB. Os primeiros a dar baixa deverão ser os F-2000, já em 2013. Os F-5M iniciarão a saída do serviço em 2017, conforme as informações divulgadas, e provavelmente os últimos a passar por modernização sejam utilizados por mais algum tempo, avançando na próxima década e permitindo uma desativação gradual. Sem nenhuma nova aquisição de caças, em meados da década de 2020 restarão, provavelmente, 43 jatos de ataque subsônicos A-1 modernizados (processo apenas iniciado) compondo a primeira linha da FAB.
Percebe-se que em 2014 já seriam necessários novos caças supersônicos. Como mostramos acima, a possibilidade de termos F-5M “ex-jordanianos” prontos a tempo para a tarefa, e em quantidade, é remota. A imagem abaixo, à esquerda, mostra o estado atual do F-5E (monoposto) “ex-Jordânia” que aparentemente lidera a fila dos que serão inspecionados e reparados antes de seguir para modernização. E a imagem da direita mostra alguns que estão mais para o fim da fila.
O ideal seria que o programa F-X2 já tivesse sido decidido – mas infelizmente não foi – para que um primeiro lote de no mínimo 12 aeronaves novas substituísse os F-2000 em 2014 e um segundo lote de 12 tomasse o lugar dos primeiros F-5M desativados, por volta de 2017. Mas, ao invés de um ideal de 2/3 do total de 36 aeronaves previstas no F-X2 entregues já em 2017, o que teremos (com muita fé…) é o início de entregas naquela data.
Qual a solução óbvia para o problema, caso se decida por algo além dos eternos adiamentos? Provavelmente vem aí mais um “caça tampão”, como foi o caso dos F-2000. Mas, com a perspectiva de operação em maior escala de caças de quinta geração a partir da próxima década, os próprios caças novos de geração 4,5 do F-X2 já podem ser considerados “caças tampão” – aviões de grande utilidade para cobrir uma lacuna atual e para, no longo prazo, serem parte importante de uma frota ou “mix”, mas não sua ponta de lança. O que dizer então da efetividade, nas próximas décadas caças usados e em fim de linha, como foi o caso dos F-2000 anos atrás? Seriam, no máximo, “tampões de futuros tampões”, aguardando pela chegada de eternos substitutos menos velhos. Ou alguém imagina que cobririam a lacuna até um caça de quinta geração para a FAB? Afinal, levando-se em conta os lamentáveis históricos dos nossos programas de quarta geração (F-X1 e F-X2) que se poderia esperar de um F-X3?
É certo que o cenário da América do Sul não é o mesmo de outras regiões mais conflituosas do planeta, onde a entrada em operação de aeronaves de nova geração é aguardada com ansiedade, e decisões são tomadas hoje para esse fim. Mas a perspectiva do Brasil é ter uma Força Aérea cada vez mais distante da tecnologia de ponta em caças supersônicos? Não é isso que está nos grandes planos e estratégias tão pomposamente divulgados, e que na prática deveriam servir como ponto de partida para decisões, e não como desculpas para postergá-las.
O ideal otimista (para quem conseguir manter o otimismo após ler os parágrafos acima) seria que, independentemente de um eventual vencedor do F-X2, o seu fabricante pudesse ao menos entregar versões novas ou usadas de seus caças a tempo de cobrir a baixa dos F-2000. E isso sem perder de vista a necessidade de novas entregas em 2017, dentro das expectativas do programa para transferência de tecnologia e de produção local – o que, dado o prazo e a quantidade necessárias, a cada dia que passa torna-se mais difícil de se cumprir. Muito poderia ser feito para se extrair o máximo dos concorrentes do F-X2, numa época de crise mundial que coloca a faca e o queijo nas mãos dos compradores. Mas, com os prazos de renovação dos caças da FAB tornando-se insustentáveis, ao invés da faca e do queijo acabaremos ficando é com o pires na mão.
Sejamos francos: o prazo para o F-X2 ser concretizado, conforme planejado originariamente, já caducou. E faz tempo. Talvez com alguns remendos e concessões o programa, que passou do “timing” ideal para diversas de suas necessidades de transferência de tecnologia e desenvolvimento conjunto, ainda possa cumprir ao menos parte dessas expectativas originais, ao mesmo tempo em que possa atender às urgentes demandas da FAB. Ou uma dessas variáveis vai estragar o equilíbrio ideal entre as necessidades tecnológicas e as urgências operacionais. Isso, é claro, se alguma decisão for tomada em algum dia do ano que vem.
Até lá, resta torcer. Por quem? Pela Índia, Suíça, Japão, Coreia, Emirados. Mas me ajudem a lembrar, eles estão na Copa?
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