A disputa pela posse do terreno do Campo de Marte, na zona norte de São Paulo, que já dura 53 anos, ganhou um novo capítulo. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu ganho de causa à Prefeitura, adversária da União na Justiça. Corroborando voto de 2008 do ministro Herman Benjamin, a 2.ª Turma do STJ mandou a União devolver imediatamente ao Município todas as áreas sem uso e não essenciais à aviação ou à defesa. Além de indenizar a capital pela ocupação.

Mas a briga judicial ainda não terminou. Na última segunda-feira, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a nova decisão. Notificada na quinta-feira, a Procuradoria-Geral do Município tem agora 15 dias para apresentar contra-argumentação ao Supremo e tentar ficar em definitivo com a posse do terreno.

O acórdão do STJ determina que o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul) – que havia dado razão à União no primeiro julgamento – estipule a metragem exata da área a ser reintegrada ao Município e o valor da indenização a ser paga pela União.

No recurso extraordinário ao STF, a AGU alega que o STJ “não poderia voltar a analisar as provas que convenceram o juízo (TRF) de que o imóvel em questão era próprio nacional”. Também sustenta que não havia provas nos autos do processo que pudessem mostrar que as terras do Campo de Marte não tinham uso ou emprego específico.

Prefeitura e União alegam ser donas do terreno de cerca de 2 milhões de metros quadrados. De acordo com a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), 975 mil m² estão atualmente sob sua gestão. Lá funcionam hangares e pistas do aeroporto e do Aeroclube de São Paulo.

A área restante, de 1,1 milhão de m², é gerida pelo Ministério da Defesa, que mantém no local uma série de instalações da Força Aérea: Hospital da Aeronáutica, Parque de Material Aeronáutico, Prefeitura da Aeronáutica, Centro Logístico e Subdiretoria de Abastecimento, além de uma vila militar com residências de oficiais e do Clube de Suboficiais e Sargentos (CSSASP).

Dentro desse espaço há um trecho preservado de Mata Atlântica, cortado por um córrego, além de seis campos de futebol cedidos a clubes amadores e um terreno de apoio do Sambódromo do Anhembi. O espaço é usado pela São Paulo Turismo (SPTuris) como estacionamento e cemitério de carros alegóricos das escolas de samba da capital- o local mantém até hoje esqueletos de alegorias utilizadas do carnaval passado.

Expansão. Se a posse for realmente confirmada pela Justiça, a Prefeitura planeja expandir o Parque Anhembi – espaço dedicado a feiras e eventos – e criar uma nova área verde no local, aproveitando as saídas da mata próximas da Avenida Brás Leme. A ideia é antiga e já havia sido proposta nas gestões Celso Pitta e José Serra.

No governo de Marta Suplicy, cogitou-se negociar o Campo de Marte para abater a dívida do Município com o governo federal. A gestão Kassab, por sua vez, ainda não tem estimativa de quanto uma eventual indenização poderá render ao Tesouro Municipal.

Há também interesse privado na área. Empresas do mercado imobiliário e arquitetos já apresentaram projetos de parques, shoppings, espaços de shows e centro de eventos para o Campo de Marte – apostando também na desativação do aeroporto e das atividades da Aeronáutica.

Espaço foi confiscado na Revolução de 32

A polêmica em torno do terreno do Campo de Marte é mais do que centenária – começa em 1891, quando o governo do Estado considerou a área terra devoluta e a repassou ao Município. Mas a União defende que as terras pertenceram a uma sesmaria entregue pela Coroa portuguesa à Companhia de Jesus e haviam sido confiscadas, em 1759, pelo Marquês de Pombal, na época da expulsão dos jesuítas. Assim, não poderiam ter sido entregues à Prefeitura como devolutas (sem uso, ocupação ou finalidade, segundo a definição da Lei de Terras de 1850).

A justificativa foi rejeitada. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, se estavam abandonadas, mesmo que confiscadas, eram devolutas e podiam, sim, ter sido cedidas ao Município.

Em 1912, o governo municipal entregou a área para a Força Pública do Estado usar como local de treinamento da cavalaria e, mais tarde, campo de aviação militar. Com a Revolução Constitucionalista de 1932, o governo federal aboliu a aviação militar paulista e tomou o Campo de Marte.

O Município não pôde recorrer da decisão durante o Estado Novo. Só em 1945, com a queda da ditadura de Getúlio Vargas, a cidade começou a negociar a recuperação da área e, como não obteve sucesso, decidiu entrar na Justiça em 1958. Desde então, a ação circula pelos tribunais. O Tribunal Regional Federal da 3.ª Região deu razão à União em 2005. A Prefeitura recorreu e, três anos depois, o primeiro acórdão do STJ deu ganho de causa ao Município.

Em setembro, o tribunal reafirmou que a Prefeitura tem direito sobre a área. Só onde houver construções aeroportuárias e de defesa nacional – parque de material bélico, hospital, base área e alojamentos da Aeronáutica -, a posse permanecerá da União, que deverá indenizar a Prefeitura.

FONTE / INFOGRÁFICO: Estadão (reportagem de Felipe Frazão e Marcelo Godoy)

FOTOS: Poder Aéreo

NOTA DO EDITOR: nas últimas duas semanas, os leitores do Poder Aéreo puderam conhecer uma pequena parte das complexas instalações de manutenção e logística da FAB na área do Campo de Marte, o que dá uma ideia dos problemas que seriam gerados caso essas instalações tivessem que ser retiradas de lá – o que não se torna necessário, segundo o último parágrafo da reportagem (clique aqui para acessar a mais recente desta série de matérias sobre o PAMA-SP, que traz também uma grande lista de links, ao final, para outras matérias publicadas sobre o assunto).

Deve-se lembrar também que já foram discutidos planos para, eventualmente, centralizar as atividades de vários Parques de Material Aeronáutico (PAMAs) da FAB numa nova instalação do tipo a ser construída no futuro, sendo Anápolis (GO) uma das alternativas de localização. Mas, como também mostra o texto, o PAMA-SP  não é a única instalação da FAB no local. Será que uma eventual mudança de toda a infraestrutura instalada sairia mais cara ou mais barata que o valor dessa possível indenização do Governo Federal à Prefeitura de São Paulo? Podemos pensar nisso também em relação a outros PAMAs e à eventual economia no longo prazo. Resta saber qual o valor dessa indenização, entre outras variáveis.

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