É hora de entrar num Typhoon e sentir a sensação do primeiro voo, no lugar de Pierre Clostermann

Pierre Clostermann (piloto de nacionalidade francesa nascido em Curitiba, no Paraná, em 1921, e falecido na França em 2006), lutou na Segunda Guerra Mundial e escreveu suas memórias do conflito no livro  “O Grande Circo”, focado em suas ações no conflito voando principalmente caças Spitfire e Tempest da RAF. Após um período de operações incessantes com o Spitfire antes, durante e depois dos desembarques na Normandia, Clostermann foi condecorado com a DFC (Distinguished Flying Cross) e retirado das operações ativas.

Mas em dezembro de 1944 solicitou a volta às operações após “comandar uma escrivaninha” por alguns meses.  Depois de muito insistir, conseguiu ser destacado para fazer um rápido curso de conversão para Typhoon e Tempest, precedendo sua participação nos meses finais da guerra, em que acabou sendo destacado para um esquadrão de caças Tempest.

O fato do Typhoon ser considerado uma aeronave difícil de voar pode ser percebido nos pequenos trechos a seguir, extraídos do livro de Clostermann, em que ele narra seu primeiro voo com a aeronave:

“Como os gases de escapamento que se infiltram no ‘cockpit’ são altamente perigosos, devido ao seu elevado teor em carbono, torna-se necessário inalar permanentemente oxigênio; apresso-me, pois, a colocar a máscara e a abrir a válvula reguladora.

Ao levantar vôo o Typhoon inclina-se fortemente à direita; é preciso, portanto, regular cuidadosamente os fletners dos comandos. Abro completamente o radiador.

(…)

Regulo o acelerador – aberto a cinco oitavos de polegada (nem um milímetro a mais, sob pena de afogar o carburador, arriscando um retôrno da centelha). Empurro para a frente, ao máximo, a alavanca de mudança do passo da hélice, e, em seguida, faço-a recuar de alguns centímetros para evitar um bloqueio do dispositivo de velocidade constante, no momento da decolagem.

(…)

Introduzo um cartucho no aparelho de partida (Trata-se do sistema Koffman, que utiliza a expansão de gases violentamente explosivos para fazer partir o motor; falhar a partida não é nada agradável, porque uma vez o motor cheio de gasolina há noventa por cento de probabilidades de incêndio).

Mantenho um dedo no contato do magneto de partida e outro sôbre o comando do fogo, desencadeio o sistema… O motor parte, com um estrondo espantoso. O ruído é, pouco mais ou menos, cinco vezes mais forte que o Spitfire. Após alguns segundos de trabalho desordenado o motor gira normalmente, não porém, sem lançar óleo por todos os poros. O som dêste motor e suas vibrações parecem-me suspeitos. Tenho os nervos tensos e sinto-me inquieto. Que diabo vim fazer aqui?

(…)

Começo a rolar – demasiadamente rápido. Cuidado! não se deve abusar dos freios, pois se aquecem muito depressa. Um freio aquecido perde tôda a ação. Êste motor! Rolo às tontas, buscando o caminho como um caranguejo, dando um golpe de freio à direita, outro à esquerda, alternadamente, para conseguir ver alguma coisa. À margem da pista, antes de colocar-me em posição, limpo as velas, conforme determinam as instruções. Desafogo o motor, acelerando até três mil rotações e, logo, uma nuvem de óleo espalha-se no pára-brisa.

Dois Typhoons que estavam no circuito acabam de pousar, mas o operador da tôrre de contrôle não parece disposto a dar-me luz verde. Ponho a cabeça para fora a fim de fazer-lhe sinal, arriscando-me a receber uma gôta de óleo fervendo no ôlho, mas a luz vermelha não muda. Diabo! certamente esqueci alguma coisa. O motor começa a esquentar e o radiador já está a 95º. Lanço um olhar por todo o aparelho: os flaps estão exatamente a 15º, o radiador está aberto… Meu Deus! É o rádio! Ligo-o ràpidamente e chamo: Hullo Skydoor, Skydorr. Typhie 22 calling. May I scramble? O operador responde, enfim, dando-me luz verde.

(…)

Bem me haviam prevenido que o Typhoon era instável, mas nunca imaginei que o fôsse a êsse ponto!… E o animal acelera como um foguete… Corrijo ao máximo o aparelho, com o freio, mas assim mesmo sou levado perigosamente para a direita… A meio da pista a roda direita roça o gramado. Com êste engenho, se saio do cimento capotarei na certa.

Enfim, consigo levantá-lo do solo. Êste avião é de uma instabilidade lateral espantosa. Ainda continuo a derivar; não ouso, porém baixar muito a asa esquerda, pois êsses desgraçados ailerons só mordem além de duzentos quilômetros por hora. Felizmente, por motivo de uma série de acidentes devidos à mesma causa, mandaram destruir o hangar F; passo, no entanto, com muito risco, extremamente perto do hangar E.

Recolho o trem de pouso, mas esqueço de travar-lhe os freios. Formidável vibração sacode o aparelho desde a cauda até as extremidades das asas, indicando-me que as rodas entraram nas cavidades girando a tôda velocidade. Contanto que os pneus tenham resistido!

(…)

Enfim, após alguns minutos, domino paulatinamente o avião e sinto-me mais à vontade. Nas curvas derrapa um pouco, mas isso não constitui grande inconveniente. Tento, timidamente, ligeiro vôo picado. Irra! que massa! Com suas sete toneladas o aparelho acelera prodigiosamente. Com satisfação, constato que o avião é muito mais rápido que o Spitfire. Que será então com o Tempest!

Meia hora já decorreu, célere; começo a armar-me de coragem para realizar o pouso. Inicialmente, um circuito à velocidade de setecentos quilômetros por hora, a fim de limpar essas malditas velas que se sujam com facilidade. Em seguida, apesar dos meus esforços para diminuir suficientemente a velocidade, de modo a poder baixar com segurança o trem de pouso, nada consigo.

Um circuito, com o motor em velocidade decrescente, a quinhentos quilômetros por hora. Outro circuito, a quatrocentos. Em desespêro de causa, faço uma chandelle sem motor que me eleva de quase mil metros, mas consigo reduzir a velocidade para trezentos e vinte quilômetros. A baixa velocidade êste animal é terrivelmente instável e a exposição do enorme trem de pouso tem conseqüências imprevisíveis sôbre o equilíbrio. Embora prevenido, fico atônito com as formidáveis guinadas que quase se assemelham ao início de um parafuso. 

Solicito autorização para pousar. Prudentemente, em linha reta, com boa reserva de velocidade, faço a aproximação, baixo os flaps, e tudo vai bem até chegar quase ao solo. Mas essas asas espêssas que parecem ter grande margem de sustentação são enganosas; apenas comecei a pressionar o manche e já o avião cai como uma pedra, inclinando-se sôbre a asa esquerda, e, ao tocar o solo, lança-se para cima, a dez metros de altura, com o nariz reto para o céu, em meio a um estrondo espantoso. Acelero ao máximo, a fim de amortecer a queda, lutando loucamente com os ailerons para evitar que o avião se volte sôbre o dorso.

Enfim, após dois ou três saltos e algumas freagens estridentes, meu Typoon, dominado, rola sôbre a pista. Consigo detê-lo em tempo, em meio a uma nuvem de fumaça e óleo. Forte odor de borracha queimada emana dos pobres pneus que resistiram valentemente ao pêso das sete toneladas precipitando-se a duzentos quilômetros por hora.

Felizmente ninguém notou minha péssima aterrissagem. Tão numerosos foram os aviões que pousaram mal, hoje, – dois dos quais sofreram avarias graves, – que se considera boa a ‘chegada’ quando o aparelho permanece intato. O suor banha-me a fronte, mas o moral está elevado.”

Extraído de: CLOSTERMANN, Pierre. O Grande Circo. São Paulo: Flamboyant, 1966.

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