Prognósticos sombrios a favor do F-35 na Austrália – parte 2

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Defendendo o futuro (Defending the future) – segunda parte


Para ler a parte 1 da tradução desse artigo escrito por David Ellery para o jornal Canberra Times, clique aqui.

O planejamento de defesa é baseado em capacidades militares emergentes e ameaças potenciais; não é limitado a quem você gosta ou não em uma dada época. Além disso, leva em conta problemas emergentes como o possível impacto político da mudança climática.

”As relações mudam”, disse ao Canberra Times o vice marechal do ar Kym Osley, o homem que gerencia o programa de aquisição do F-35 JSF pela Austrália. 

Ainda segundo Osley, “o risco estratégico de ter uma lacuna na capacidade de combate aéreo (entre a Austrália e outros poderes regionais) é algo que o Governo já indicou que não irá aceitar. A Austrália sempre se posicionou para ter uma vantagem nessa capacidade (dentro da região)”.

É por essa razão que, para substituir os Hornets “clássicos” e os F-111, muito amados, porém muito controversos a seu tempo, é que foi escolhido o F-35 para ser a espinha dorsal da força de dissuasão aérea da Austrália para a primeira metade do século XXI – e não foram escolhidos para esse fim o Super Hornet e nem mesmo o caça furtivo F-22 Raptor, mais rápido e mais poderoso e recentemente defendido pela Air Power Australia.

Diferentemente de caças inimigos que poderiam se unir contra eles na nossa hipotética batalha de Port Moresby, os F-35 deverão oferecer a seus pilotos uma consciência situacional sem rivais. Esses caças inimigos poderiam ser uma mistura de envelhecidos F-16 fabricados nos EUA, versões do Sukhoi 30 construídos na Rússia ou na Índia, caças russos MiG 29 e MiG 35 e os chineses Chengdu J-10s e J-20 – esse último furtivo porém propenso a acidentes. 

Essa consciência situacional é a chave para sua habilidade de operar no que é chamado de ambiente de combate centrado em redes, um conceito que tem sua origem na “super ala” (super wing) desenvolvida pela RAF (Força Aérea Real Britânica) durante a Segunda Guerra Mundial. Na ocasião, sob a direção de Douglas Bader, pesadas concentrações de caças lutavam como uma só unidade para esmagar as formações de bombardeiros da Luftwaffe (Força Aérea Alemã).

A doutrina estratégica, que pode ser tão válida em 2030 quanto foi há 71 anos, é que controladores recebam informações de muitas fontes para tomar decisões estratégicas que podem ser comunicadas para os caças. O que coloca o F-35 JSF numa classe à parte é que qualquer piloto tem toda a informação e pode também atuar como um controlador.

Na ordem do dia, estarão respostas coordenadas, permitindo que o F-35 utilize sua capacidade de comunicar-se em rede para desenhar o quadro, contando com uma ampla gama de recursos que inclui mísseis superfície-superfície (SAMs), lançados de terra ou de navios, e até mesmo outras aeronaves.

Um F-35 ameaçado por qualquer caça inimigo poderia, por exemplo, responder de modo que esse inimigo fosse derrubado por outra aeronave ou por uma bateria de SAM que o atacante não esteja alerta sobre a existência.

Isso oferece o que é chamado de efeito multiplicador de força.

O piloto poderia até lançar um míssil em um inimigo posicionado à sua ré (posição das seis horas) ou em um de seus lados, sem ter que mudar de direção.

O vice marechal do ar Osley, um declarado entusiasta do F-35, disse que enquanto a aeronave teria um desempenho praticamente igual ao de um “legacy” F-18 Hornet em um combate clássico (dog fight), suas outras capacidades, incluindo tecnologias furtivas, fariam com que ele não tivesse que entrar nesse tipo de luta.

Ele disse que, diferentemente de pilotos que lutaram a Batalha da Inglaterra e as Guerras da Coreia, Vietnã e do Golfo, os seus sucessores na RAAF (Força Aérea Real Australiana) pilotando F-35 estarão sentados no coração de uma excepcional “bolha” de dados, do tipo nunca antes visto.

Apesar do alcance exato dessa “bolha” ser um dado secreto, ela deverá se estender por centenas de quilômetros em qualquer direção. Os pilotos saberão o que está acontecendo no solo, incluindo quais veículos pertencem a quem; o que está acontecendo no ar, incluindo quem é amigo ou inimigo e, caso estejam sobre o mar, que navios estão lá, onde se localizam e em que direção se movem.

Em resumo, essa é a extensão da revolução da informação no combate aéreo.

Os poderosos computadores embarcados no F-35 têm a capacidade de receber imagens de radar e de infravermelho, de câmeras ao vivo e até o visual de outras aeronaves e juntar tudo isso numa só imagem, coerente. As informações e as mudanças nas imagens são mostradas ao piloto por meio de telas instaladas em seu capacete.

Se o piloto move a cabeça, a imagem também o faz, de forma que ele pode olhar para baixo e “ver” através do chão da aeronave.

O uso de tantos sensores externos sofisticados significa que o F-35 não precisa nem apontar o nariz para onde quer disparar seus mísseis, uma vantagem que o distingue da maioria ou mesmo da totalidade dos aviões de combate existentes.

Tecnologia de reconhecimento de voz também deverá ser utilizada para permitir ao piloto, pela primeira vez, utilizar comandos de voz em uma aeronave de asa fixa de origem norte-americana.

O vice marechal do ar Osley complementa que, “no passado, você teria que estar voando em um AWACS (Aircraft Warning and Control System – sistema de alerta antecipado e controle) ou em um centro de operações no solo para ter todas essas informações”.

Ele não está preocupado com o fato de que o F-35 não pode voar tão rápido ou tão longe quanto as aeronaves que ele substituirá. Tanto o F-111 quanto o F-18 Hornet foram projetados para operar com tanques de combustível instalados sob as asas. Apesar desses tanques externos poderem ser instalados num F-35, o avião deixa de ser furtivo com os mesmos, e é por isso que a principal carga de combustível e as armas são acondicionadas dentro da fuselagem.

Essas limitações de projeto também existirão para seus futuros competidores, atualmente em desenvolvimento na China, Rússia e Índia.

Sendo um ex-navegador de F-111, que acumulou quase 2.000 horas de voo nessa aeronave carinhosamente chamada de “Porco”, Osley disse que a comparação da respeitável velocidade máxima de Mach 2,5 do caça-bombardeiro de asas de geometria variável, frente aos Mach 1,6 do F-35, é basicamente uma questão acadêmica no ambiente operacional da atualidade.

O vice marechal afirmou que “só um par de vezes eu voei num F-111 a Mach 2,5, e não foi uma experiência confortável. Naquela velocidade, você só tem 11 ou 12 minutos de tempo de voo.”

A alta velocidade tinha um único propósito: permitir ao grande caça-bombardeiro fugir das ameaças o mais rápido possível após completar sua missão. “Ninguém combate a Mach 2”, completa Osley.

De acordo com a organização de material de defesa, o F-35 substitui velocidade por furtividade, possui contramedidas para guerra eletrônica reservadas (secretas) e uma capacidade do tipo do iPhone para se comunicar em rede com seus amigos.

E, se chegar o momento decisivo, sua velocidade e capacidade de manobra são tais que ele pode, numa metáfora, entrar numa briga de faca portando um revólver.

A esse respeito, o vice marechal do ar Osley afirma que “a manobrabilidade do F-35 em combate aéreo é considerada excelente por operadores seniores de armas e de táticas. Ele pode brigar com qualquer aeronave atualmente em serviço, mas seu ponto forte real é a sua habilidade de atuar como um nódulo de informação.”

Essa capacidade, que se espera ser a maior força do F-35 quando ele entrar em serviço, está provando ser sua maior fraqueza durante a fase de desenvolvimento. Isso porque, tal qual o F-111 há quase 50 anos, o F-35 está ampliando as atuais fronteiras e introduzindo novas tecnologias de forma pioneira.  

Ele tem mais linhas de código de computador do que qualquer outra aeronave já construída e o seu excepcional capacete, sem o qual esse pássaro não voa, está levando mais tempo do que o esperado para ser desenvolvido.

O vice marechal do ar Osley disse que esse é um risco de cronograma, mas não de capacidade. Ele, que é um entusiasta de carros de alta performance e, obviamente, alguém que teve a oportunidade de aproveitar voos a bordo de ums das mais rápidas aeronaves já construídas, disse ao Canberra Times que a discussão sobre o F-35 foi extraordinariamente similar à vivenciada pelo F-111 há duas gerações: a questão da lacuna na capacidade de poder aéreo em relação a potenciais rivais na região. 

Soluções de compromisso, que incluiriam diminuir as compras de F-35 ou a aquisição de mais Super Hornets, simplesmente não são opções. “Eu estou aqui para entregar o F-35 JSF, não uma frota misturada de aeronaves. Uma frota mista poderia ser mais barata de adquirir, mas, no fim das contas, seria mais cara para manter”, disse Osley.

FONTE: Canberra Times  FOTOS: jsf.mil e Ministério da Defesa da Austrália

NOTA DO EDITOR – E O NOSSO BOM E VELHO F-X2?  Nos comentários da primeira parte dessa matéria, diversos leitores do Poder Aéreo já discutiram sobre a validade dos prognósticos mostrados no texto, e também debateram um pouco sobre o próprio F-35 (além de questões econômicas e políticas relacionadas à matéria). É interessante continuar aqui a discussão com base nas qualidades que o autor confere à aeronave, baseadas em informações do vice marechal do ar que é um dos maiores defensores do caça na Austrália, além da comparação histórica com o caso do F-111, décadas atrás.

Mas vale a pena também propor uma discussão local, a partir desse tema “prognósticos futuros versus poder aéreo futuro” (embora comparações devam ser feitas sempre com bastante cuidado, pois os contextos costumam variar muito geograficamente e temporalmente). 

Vejamos: a Austrália planejou a substituição de seus F-111 e F-18 Hornet por aeronaves F-35. Mas teve que preencher, no curto e médio prazos, a lacuna na desativação dos F-111 com a aquisição do F-18 Super Hornet. Como solução de longo prazo, o F-35, um autêntico caça de 5ª geração, deverá substituir o F-18 Hornet e, posteriormente, até o Super Hornet. Por volta de 2030 (ano que o autor do texto acima usa como baliza temporal), deverá haver tanto caças F-35 de quinta geração quanto F-18 Super Hornet da geração 4,5 no inventário da RAAF, com o primeiro cumprindo claramente a função de ponta de lança e de principal fator de dissuasão frente aos vizinhos da Austrália.

E aqui, no Brasil? A lacuna gerada pelo envelhecimento da frota de caças e aviões de ataque da FAB vem sendo preenchida, no curto e médio prazos, por programas de modernização do material existente (programas F-5M e A-1M), aquisição de turboélices (A-29, substituindo os AT-26 Xavante) e de “caças-tampão” (F-2000 / Mirage 2000 substituindo emergencialmente os F-103 / Mirage III).

No longo prazo, planeja-se que todas essas aeronaves (à exceção do A-29) sejam substituídas por caças adquiridos pelo programa F-X2, podendo a nova frota ser constituída por aeronaves Boeing F-18 Super Hornet,  Dassault Rafale ou Saab Gripen NG (aqui colocados em ordem alfabética do fabricante). Todos eles considerados caças da geração 4,5 independentemente dos “plus” ou da quantidade de sinais de “+” que se possa colocar após o número 4,5.

Por volta de 2030, é de se esperar que nenhum dos caças e aviões de ataque a jato atualmente em uso pela FAB esteja em serviço. Só o caça de 4,5 geração F-X2, acompanhado do A-29, respeitada a talvez remota possibilidade de alguns A-1M ou mesmo F-5M remanescentes ainda poderem voar em tarefas secundárias, aguardando a mais do que merecida aposentadoria. Os prognósticos da Austrália para daqui a quase duas décadas, segundo a matéria, justificariam um caça de 5ª geração por lá (os leitores podem concordar ou discordar disso).

Mas e por aqui? Caças de 4,5 geração bastariam para nosso poder aéreo de dissuasão em 2030, daqui a 19 anos? Isso se forem efetivamente  obtidos, é claro, mas é fato que a atual frota de jatos da aviação de caça da FAB não vai durar até lá, ao menos como uma frota efetiva, e algo deverá ser adquirido para subsitituí-la.

Será que precisaríamos de caças de 5ª geração em 2030? Que prognósticos justificariam isso? Ou que prognósticos justificariam os nossos futuros caças da geração anterior (4,5), cuja aquisição estamos levando tanto tempo para decidir, como fator válido de dissuasão?

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