E o nosso ‘mini Tornado’? Daqui a quantos anos ele deveria ser desativado?

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Por Fernando “Nunão” De Martini

Na tarde de ontem (quinta-feira, 24 de fevereiro), o Poder Aéreo publicou a matéria “Toda a frota de Tornados da RAF poderá ser desativada em três anos”, com informações do jornal The Guardian e do Forecast International (clique na imagem ao lado para acessar). Segundo a matéria, o Ministério da Defesa do Reino Unido estaria cogitando desativar toda a frota atual de aproximadamente 100 Tornados de ataque ao solo nos próximos 3 anos, devido à necessidade de compatibilizar mais cortes orçamentários e de priorizar a entrada em serviço de novas versões multitarefa do Eurofighter Typhoon (tranche 3).

Essa possibilidade levou o Poder Aéreo a refletir sobre os cortes na Defesa aqui, no Brasil, e sobre a situação do “mini Tornado” da FAB, o A-1, vulgo AMX. Não seria interessante ponderar se vale mesmo a pena estender a vida útil desse vetor, aplicando recursos em sua modernização? Vale lembrar que, recentemente, a matéria “Aeronáutica diz que cortes afetam projeto de avião da Embraer” mostrou que o projeto de modernização do A-1, que já tem protótipos em execução e contratos anunciados, pode ser uma vítima dos cortes deste ano: “De acordo com Saito, outros programas da FAB serão atingidos pela contenção de gastos, como a parceria com a França na produção dos helicópteros EC-725 e a modernização dos caças AMX, que também é feita pela Embraer.”

Por um lado, o cancelamento do programa F-X, o posterior lançamento do F-X2, seguido de seus intermináveis adiamentos, vêm justificando a modernização do atual inventário de jatos de combate da FAB, de modo que a Força tenha meios disponíveis para cumprir suas missões constitucionais. Por outro, essas mesmas modernizações vêm sofrendo atrasos, o que leva a pensar se o que é necessário hoje ainda será no futuro.

Explicando melhor: hoje o A-1 é um elemento importantíssimo para as missões de ataque da FAB, destacando-se no inventário da Força. Leva uma maior carga de bombas e a maiores distâncias (sendo o único vetor capacitado para operações de cunho estratégico) do que a espinha dorsal da nossa aviação de caça, o F-5M. Deve-se lembrar que outro caça que teria um alcance compatível em missões de ataque, o F-2000, é empregado principalmente como interceptador e que, de qualquer forma, representa uma solução “tampão”, sendo operado em relativa pequena quantidade quando comparado ao A-1 e ao F-5M.

O A-1 também é mais rápido e carrega mais armamento que o A-29, o outro vetor da FAB que cumpre missões de ataque. Este autor reconhece que, caso estivesse hoje o A-1 na configuração modernizada A-1M, ou com seu programa de modernização já bem adiantado, as ponderações desse artigo fariam pouco sentido.

Mas, segundo a própria FAB (“Nota sobre Programa de Modernização das Aeronaves A-1 (AMX) da FAB“), esse programa começou em 2003, foi renegociado em 2008, com novos contratos divulgados em 2009 e 2010. Mas já estamos em 2011, recebendo mais uma vez anúncios de cortes orçamentários que podem afetar a conclusão desse projeto. É certo que, ao longo do tempo, também foram desenvolvidos os novos radares para a aeronave, a serem integrados numa aviônica similar às do A-29 e do F-5M. Mas, mesmo assim, o A-1M ainda é mais uma promessa que uma realidade. Levará pelo menos 5 anos para que a modernização de 43 unidades da aeronave se concretize (numa perspectiva otimista, levando em conta que o programa F-5M sofreu com atrasos).

E o que representará o A-1M daqui a dez, quinze ou vinte anos? Por volta de 2020 – 2025, planeja-se que o F-5M já tenha deixado o serviço ativo, substituído por um caça de nova geração. A vida útil das células dos “bicudos” não permite maiores devaneios sobre operá-los na “linha de frente” além dessa data, para não falar da disponibilidade de peças de reposição de itens não relacionados à parte modernizada.

Suponhamos que esse caça de nova geração seja qualquer um dos três concorrentes do atual programa F-X2.

Ao lado desse novo caça, provavelmente o A-1M não acrescentará qualquer capacidade que este não possua. Acrescentará, grosso modo, apenas em quantidade de jatos suficientemente modernos e aptos a cumprir missões de ataque. Alcance, carga de armamento, capacidade de sobrevivência, polivalência, flexibilidade, em tudo isso o caça de nova geração deverá superar o A-1M. É inegável que, numa hipótese de conflito de alta intensidade, um “F-X2” ofereceria sempre maiores capacidades que o A-1M. E para hipóteses de conflitos de baixa intensidade, que são a tônica nesse século XXI, as missões que o A-1 poderia cumprir seriam realizadas, com melhor custo-benefício e em alguns casos de forma mais eficiente, pelo A-29 (que para missões do tipo tem as vantagens da velocidade menor e da maior permanência sobre o objetivo).

Numa provável aviação de caça da FAB em 2025, equipada com o vencedor do F-X2, com o A-29 e o A-1M, é opinião deste autor que o A-1M estaria “sobrando”. Sua modernização faz sentido para que a FAB não fique, no médio prazo, sem jatos de combate equipados com sistemas avançados. Mas há sentido em prosseguir na sua modernização, quando os recursos necessários poderiam ser aplicados nos próprios vetores que um dia irão substituí-lo?

É certo que os milhões de reais, dólares e euros de sua modernização representam pouco para a aquisição de caças modernos, permitindo que apenas um punhado de novos jatos  pudesse ser adquirido. Mas devemos também ponderar se, daqui a uns 10 ou 15 anos, os custos anuais de manutenção de uma frota de 43 A-1M  serão muito diferentes dos custos anuais para operar uma mesma quantidade de caças novos. E mesmo no caso de serem menores esses custos, deve-se refletir se um menor número de caças de última geração não cumpriria a mesma missão (e melhor) que um número maior de jatos A-1M.

A pergunta que fica para os leitores é: vale a pena modernizar 43 aviões de ataque A-1 ao invés de aplicar esses recursos (se é que existirão, devido aos cortes) na preservação de outros programas, como os de desenvolvimento de novas bombas guiadas, mísseis, de aeronaves de transporte,  ou mesmo na incorporação de sistemas mais avançados no A-29, no desenvolvimento de veículos aéreos não tripulados e no próprio F-X2 e seus armamentos?

A modernização do F-5M mostrou-se necessária, até mesmo imprescindível (apesar de muito demorada), dados os sucessivos adiamentos da chegada de um novo caça. Quanto à modernização do A-1, talvez já tenha se fechado a “janela” temporal em que esta traria seu melhor custo-benefício, pensando no tempo que levará para ser concretizada, no emprego da aeronave daqui a 10 ou 15 anos e nas prioridades que a FAB deve encarar, mesmo levando-se em conta o que já se gastou nesse programa.

Talvez ligeiras atualizações nos sistemas e substituição de componentes dos A-1 dos últimos lotes, quem sabe aproximadamente 20 unidades, contribuam mais para que se mantenha uma dotação razoável de jatos de combate na FAB no médio prazo, mantendo também a capacidade atual de ataque estratégico, enquanto se trabalha para a obtenção de caças de novas gerações. Vale lembrar que as aeronaves do primeiro lote já têm mais de 20 anos de bons serviços prestados à FAB, não sendo assim tão “prematura” sua aposentadoria num espaço de mais uns 10 anos, ao invés de estender sua vida útil para além desse tempo. Os aviões dos lotes mais recentes estão em serviço há pouco mais de uma década.

Talvez uma opção interessante seja manter por um pouco mais de 10 anos, até 2020, um único esquadrão equipado com aproximadamente 20 jatos A-1, como citado acima. Um esquadrão voltado a missões em que o vetor realmente se destaque em relação aos atuais vetores da FAB (como as missões de ataque estratégico).

Talvez  outros dois esquadrões que hoje estão equipados com a aeronave possam prestar melhores serviços à FAB, a curto e médio prazo, sendo reequipados com o A-29 (numa redistribuição da dotação ainda a ser atingida de 99 unidades) pensando em reequipá-los, a longo prazo, com o F-X2. Ou mesmo sendo convertidos para operar veículos aéreos não tripulados (VANTs). Ou, quem sabe, equipados no futuro com um mix de A-29 e VANTs operando de forma conjunta, uma possibilidade que outras forças aéreas no mundo vislumbram para vetores de outra faixa de desempenho (como a possível “dupla” Rafale-Neuron, para citar um exemplo).

Talvez seja tarde para parar o processo de modernização, devido aos equipamentos já adquiridos e compromissos já assumidos, incluindo off-sets. Mas talvez o que já se adquiriu para esse fim possa ter melhor serventia como material de reposição para o F-5M ou o A-29, ou mesmo na modernização de uma quantidade menor de A-1, minimizando prejuízos.

E talvez, é claro, esse autor esteja completamente errado nessas opiniões acima. Dê a sua opinião.

NOTA: quero deixar claro que não nego as contribuições que o A-1 trouxe e ainda traz, operacionalmente, à FAB.  Nem o que ele representou e ainda representa para a indústria aeroespacial do Brasil. Lia com entusiasmo adolescente sobre o seu desenvolvimento, nos anos 1980. Ainda guardava um pouco desse entusiasmo quando lia sobre sua possível modernização, no início deste século XXI. Mas  o tempo passa e, como dizem por aí, a fila anda.

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