F-15E lançando um mí

Lt Col Patrick Higby, USAF – Virginia Military Institute (2005)

Introdução

A promessa do combate aéreo além do alcance visual (BVR) faz sentido: matar o inimigo à longa distância – antes que ele possa feri-lo. Desenvolvidas ao longo da Guerra Fria, as capacidades BVR encaixaram-se na estrutura da força americana, que favorecia a qualidade sobre a quantidade.

Esta estrutura vislumbrava uma força altamente treinada (Americana ou Aliada) equipada com armas avançadas derrotando um inimigo numericamente superior (URSS ou Aliado Soviético).

Mas a busca por dispendiosas capacidades BVR, durante a Guerra Fria, não foram correspondidas pelo desempenho BVR real.

Para provar esta tese, este trabalho primeiro fará uma revisão da teoria BVR e sua implementação. Isto será seguido por uma detalhada análise BVR na prática – resultados de combates verdadeiros de quatro conflitos da Guerra Fria, envolvendo combates aéreos BVR documentados.

A parte do trabalho da Operação Desert Storm mostra uma melhora relativa em comparação com o período da Guerra Fria, embora não pelas razões originais supostas pelos especialistas em BVR.

Os dados limitados de BVR pós Desert Storm são revistos na parte dedicada a esse período. Antes de oferecer conclusões e recomendações, este trabalho também apresenta contra-argumentos relevantes.

Teoria BVR

A teoria BVR teve sua gênese no final da Segunda Guerra Mundial, um conflito que testemunhou o uso operacional dos radares, mísseis guiados e jatos. Por exemplo, o primeiro míssil BVR americano ao longo da Guerra Fria foi o AIM-7 Sparrow, que foi desenvolvido pela US Navy, começando em 1946. Embora a Segunda Guerra Mundial em algum grau tenha testemunhado os combates ar-ar BVR noturnos dirigidos por radar, a história dos caças noturnos vai além deste trabalho, que tem como foco as plataformas de mísseis guiados por radar no lugar de plataformas de canhão guiados por radar, em alcances muito curtos.

A teoria BVR implica em caças tecnologicamente sofisticados, equipados com radares poderosos e um sistema de controle de tiro, lançando mísseis guiados por radar contra aeronaves inimigas distantes. No contexto da Guerra Fria, estas aeronaves inimigas podiam ser bombardeiros soviéticos atacando o território americano ou enxames de caças soviéticos tentando estabelecer a supremacia aérea sobre a Europa Ocidental.

Em ambos os casos, o alvos estariam bem fora da mira – além do alcance visual. Alcance visual depende de vários fatores: acuidade visual, melhoramentos visuais (ex.: binóculos e dispositivos de imagem de longo alcance), inibidores visuais (ex.: nuvens e sujeira no canopy), condições de luz, aspecto do alvo e tamanho do alvo.

O coronel James Burton selecionou 5 milhas náuticas (9,26 km) – à luz do dia – como seu limite BVR para avaliar mísseis além do alcance visual. Alternativamente, o critério do Gulf War Air Power Survey (GWAPS) depende do alvo ser identificado visualmente. A tabela 1, adaptada de Stevenson, mostra a distância média (em milhas náuticas) na qual diferentes aeronaves são visíveis à luz do dia, baseada no tamanho delas. Fatores como a fumaça do F-4 Phantom não são incluídos. As linhas pontilhadas mostram as 5 milhas náuticas do critério de Burton.

O radar poderoso buscado pela teoria BVR amplia o alcance no qual um piloto pode detectar aviões inimigos, justificando assim o aumento do tamanho e alcance nos quais seus próprios aviões são perceptíveis. Infelizmente, a história demonstra que o “trade-off” feito para perseguir esse aspecto da teoria BVR é igualmente injustificado, especialmente na era de detectores de radar.

A implementação do BVR

Durante os anos 1950, a USAF adquiriu a série “Century” de caças (F-100, 101, 102, 104, 105, 106), que já exibiam muitas das características buscadas pela teoria BVR. Com algumas exceções, eram significativamente maiores, mais complexos, mais rápidos (quando limpos), e mais caros do que seus antecessores. A Marinha, explorando dois pontos de vista do combate BVR, queria comprar o Douglas Missileer F6D, que era muito complexo, mas uma plataforma de mísseis de baixa velocidade de cruzeiro, projetado para derrotar as ameaças no ar a distâncias de 100 milhas, com enormes mísseis Eagle.

Mas durante este tempo, a Marinha também obteve o caça BVR mais prolífico: o F4H-1 Phantom II. Com o primeiro vôo em 1958, este foi o primeiro caça projetado para transportar os mísseis Sparrow guiados por radar, embora algumas das séries “Century” tenham sido adaptadas para este propóstio.

Finalmente, a USAF aprovou o Phantom da Marinha como F-110A Spectre, a nomenclatura que mais tarde passou a F-4C Phantom II. Outros caças BVR se seguiram: o programa conjunto da Marinha/Força Aérea “TFX” (que tornou-se o F-111), o F-14 e o F-15. Para não ficar atrás, os soviéticos adquiriram grandes caças BVR complexos durante os anos 1960 e 1970, como: Yak-28, Tu-28, e, claro, o MiG-25.

Construídos em torno de grandes radares e complexos sistemas aviônicos, estes caças necessitavam de dois potentes motores para superar não só seu peso excessivo, mas também por causa do arrasto associado ao grande radome montado no nariz.

Seus custos em termos de aquisição e de manutenção, foram surpreendentes. Como mostrado na Tabela 2, por exemplo, a operação e manutenção (O & M), os custos de de um caça capacitado para  BVR, F-4 ou F-15, era significativamente maior que os não-BVR, F-5 ou F-16.

Embora o custo unitário de um F-15 tenha sido mais do dobro de um F-4, o F-15 prometia ter custos muito mais baixos de O & M. Em dólares de 1999, o F-15C estava custando US$ 8.000 por hora de voo (O & M direto) versus US$ 5.000 de um F-4E. A promessa similar está sendo feita agora para o caça BVR de próxima geração, o F-22, vis-à-vis ao F-15.

Tabela 2: Custos O&M por hora de voo de caças selecionados (dados de 1980)
F-5E F-16A F-4E F-15A
Custo direto O&M por hora de voo (dólar de 1980) US$940 US$1.734 US$2.733 US$3.305

O aspecto mais negligenciado da implementação BVR, no entanto, foi o persistente déficit tecnológico na identificação de um inimigo a longas distâncias. A tecnologia de identificação Amigo Inimigo – Friend or Foe – (IFF), ainda hoje não é considerada confiável, conforme evidenciado pela exigência de identificação de outros sistemas, como o AWACS.

Não surpreendentemente, o IFF deficiente criou uma preocupação fratricida, levando ao extremo as restrições sobre o emprego dos recursos BVR. No entanto, os EUA continuaram a pagar um valor significativo para adquirir e operar sistemas com capacidade BVR, embora a capacidade não fosse, geralmente, utilizável na prática.

BVR na Prática

Durante a Guerra Fria, houve oito conflitos nos quais mísseis ar-ar operacionais foram utilizados, representando 407 abates por mísseis conhecidos (mísseis guiados por radar mais mísseis guiados por calor): Formosa Straits (1958), Vietnã / Rolling Thunder ( 1965-1968), Vietnã / Linebacker (1971-1973), Guerra dos Seis Dias (1967), a Índia e Paquistão (1971), Guerra do Yom Kippur (1973), das Malvinas (1982), e Vale do Bekaa (1982). Não há dados confiáveis disponíveis para a Guerra Irã-Iraque (1980-1988, conhecida anteriormente como a Guerra do Golfo).

Como referido na introdução, apenas quatro destes conflitos viram o uso de mísseis guiados por radar projetados para abates BVR: Vietnã / Rolling Thunder (1965-1968), Vietnã / Linebacker (1971-1973), Guerra do Yom Kippur (1973) e Vale do Bekaa (1982).

A Tabela 3 mostra o total de abates (kills) ar-ar documentados pelos EUA ou aliados (ou seja, Israel) em cada um desses conflitos. Dados confiáveis sobre vitórias aéreas para os mísseis norte-vietnamitas ou forças aéreas árabes, não estão disponíveis, mas provavelmente consistiam exclusivamente de canhões e mísseis de busca de calor.

Por exemplo, durante o conflito do Vale do Bekaa, a Síria afirmou ter interceptado a segunda vaga do ataque aéreo israelense inicial, derrubando 19 aviões israelenses, enquanto perderam 16. Israel diz ter abatido 22 jatos da Síria, com zero de perdas. A análise realizada por Burton da USAF fica ao lado das reivindicações de Israel, embora reduzindo algumas vitórias aéreas.

Tabela 3: Abates ar-ar na Guerra Fria envolvendo mísseis guiados por radar
Total deabates ar-ar Canhões Mísseis guiados por calor – a Mísseis guiados por radar – b Outros
EUA: 65-68/Vietnã 117 40 (34%) 51 (44%) 26 (22%) 0
EUA: 71-73/Vietnã 73 11 (15%) 32 (44%) 30 (41%) 0
Israel: 73/Yom Kippur 261 85 (33%) 171 (66%) 5 (2%) 0
Israel: 82/Bekáa Valley 77 – c 8 (10%) 54 (70%) 12 (16%) 3 – d
TOTAL 528 144 (27%) 308 (58%) 73 (14%) 3 (1%)
Notas:
a. AIM-9B até AIM-9M Sidewinder.
b. Primariamente AIM-7D até AIM-7M Sparrow, mas também alguns AIM-4D Falcons no Vietnã.
c. Israel reivindica 85 (com zero perdas).
d. Sem dados.

Apesar do investimento significativo na capacidade BVR durante a Guerra Fria, a Tabela 3 mostra que os mísseis guiados por radar só foram responsáveis por 14% do total da abates. O dobro de kills (27%) foram feitos por canhões e mais de quatro vezes (58%) foram feitos por mísseis guiados por calor.

É interessante refletir sobre o potencial de um caça leve e ágil equipado com canhão e Sidewinders nas mãos de pilotos habilidosos o suficiente para levar a um bom duelo, os F-4 e F-105s, contra o MiG-21.

Tais caças peso leve correspondem em 1960/1970 ao que um P-51 foi na Segunda Guerra Mundial, quando comparados aos mais caros e mais pesados P-38 e P-47.

O que é mais perturbador sobre o desempenho do míssil guiado por radar é que a grande maioria dos kills (69 de 73, ou 95%) foram iniciados e efetivados alcance visual, como mostrado na Tabela 4. O processo de aquisição de sistemas de armas, como o F-4 e de mísseis AIM-7 foi destinado a matar o inimigo com disparos de mísseis BVR precisos.

Infelizmente, a doutrina e as práticas reais de emprego não correspondem (nem mesmo em Israel), devido aos condicionalismos acima referidos ao IFF. No entanto, mesmo quando as deficiências do IFF foram superadas e os disparos BVR foram realizados, apenas quatro de 61 foram bem sucedidos. Isso se traduz em uma probabilidade “de matar” (kill probability) ou PK de apenas 6,6%!

Tabela 4: Dados de combate com mísseis guiados por radar
Total
disparos
Total
Abates
PK BVR
disparos
BVR
Abates
BVR
PK
Sucesso
BVR Total – c
US: 65-68/Vietnã 321 26 8.1% 33 0 0.0% 0.0%
US: 71-73/Vietnã 276 30 10.9% 28 2 – a 7.1% 0.7%
Israel: 73/Yom Kippur 12 5 41.7% 4 1 – b 25.0% 8.3%
Israel: 82/Bekáa Valley 23 12 52.2% 5 1 20.0% 4.3%
TOTAL 632 73 11.6% 61 4 6.6% 0.6%
Notas:
a.De acordo com entrevista de Jeff Ethell com Steve Ritchie, existe uma pequena possibilidade de que um destes abates BVR tenha sido fratricida, contra um F-4E baseado em Korat.
b. Israel não afirma que este seja um abate BVR, mas ele foi feito a mais de 5 milhas.
c. Desde que os sistemas de mísseis guiados por radar foram adquiridos para abates BVR, o sucesso total é a porcentagem de abates BVR em disparos BVR feitos totalmente por radar.

Como mostra a tabela 4, existem apenas quatro abates BVR documentados em toda a história do combate aéreo até antes da Operação Desert Storm. Esta revelação é surpreendente porque, ao longo de toda a era da Guerra Fria, as plataformas de mísseis guiados por radar eram aclamadas como a transformação que iria mudar fundamentalmente o combate aéreo. O combate aéreo iria consistir de plataformas de mísseis (caças complexos, pesados e caros), armados com mísseis guiados por radar, destruindo o inimigo além do alcance visual.

Não havia a necessidade de agilidade, apenas a de alcançar a posição de lançamento de míssil rapidamente. Como exemplos do conceito, temos o F-102, F-106 e o F-4. Baseados na lição do Vietnã, as últimas versões do F-106 e F-4 passaram a ser equipados com canhão interno e o F-4 recebeu slats para melhorar a manobrabilidade em dogfights.

Outro caça da série “Century”, o F-105, foi equipado com um canhão (depois de muito debate, apesar da sabedoria convencional) e, embora fosse uma plataforma projetada para ataque tático nuclear, conseguiu na verdade numerosas vitórias aéreas no Vietnã com seu canhão.

Há três falhas graves associados ao uso de mísseis AIM-7 Sparrow que levaram aos resultados decepcionantes nas mãos de operadores experientes:

  1. o míssil muitas vezes não funcionava adequadamente;
  2. o atirador tinha que manter o nariz da aeronave apontado para o alvo em todo o engajamento (para manter o alvo iluminado) e;
  3. o elemento surpresa era perdido. Uma vez iluminado pelo radar de tiro necessário para guiar o míssil, a vítima era alertada por um receptor de alerta radar e começava a manobrar evasivamente para fazer o míssil ou radar da aeronave perder o travamento. Quando o míssil era visualmente localizado, manobras evasivas também podiam causar uma falha no mesmo, ao exceder a capacidade de manobra do míssil.

Na parte 2 desta matéria: Desert Storm – a virada do BVR?

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