Muito antes do Eurofighter – parte 4
A história da cooperação europeia no desenvolvimento de projetos de caças, de 1965 a 1985
Parcerias e programas franceses
Mas a França também participava de parcerias com outros países europeus no desenvolvimento de jatos militares. Duas dessas parcerias se destacavam: o programa Jaguar e o programa Alpha Jet (ambos mencionados na parte 1 deste texto). O primeiro era uma colaboração com os britânicos e o segundo uma parceria com os alemães. Nos dois casos, a França atuava como contratante principal e os produtos finais não eram exatamente a última palavra em alta tecnologia.
Estas duas parcerias eram exceções, pois o grosso dos produtos de alto desempenho era desenvolvido no próprio país. Os recursos tinham duas fontes básicas. Em primeiro lugar, o governo francês sempre investiu maciçamente nas indústrias locais. Ao lado disso, as exportações eram excelentes, graças ao desempenho do Mirage III na Guerra dos Seis dias e à atitude norte-americana de não repassar caças de primeira linha para certos países do Terceiro Mundo. Em outras palavras, a indústria aeronáutica militar francesa voava em “céu de brigadeiro”.
A produção de caças Mirage III/V chegou a superar dez unidades por mês em 1973 (eram números impressionantes para a indústria europeia, mas pequenos perto do poder industrial-militar dos EUA, que nesta época produzia um Phantom II por dia!). Dois anos depois, mesmo com a redução do número de encomendas da família III/V, o ritmo de produção foi mantido graças ao Mirage F.1. Em 1975, saiam da linha de produção da Dassault sete Mirage F.1 e três Mirage III/V por mês, mas era preciso pensar na próxima geração.
O demonstrador Mirage G da Dassault em voo. O seu sucessor G.8 era muito semelhante, porém, com dois motores (FOTO: Dassault)
Os recursos das vendas destes produtos foram largamente empregados no desenvolvimento e na pesquisa de novos conceitos e novas tecnologias. O programa do caça demonstrador Mirage G, por exemplo, fez da França o primeiro país europeu a voar uma aeronave com asas de geometria variável.
Por volta de 1969, surgiu a possibilidade de desenvolver o Mirage G como futuro substituto do avião de ataque Mirage IV. Esta versão também foi oferecida para a Alemanha, em lugar do desenvolvimento do MRCA (ver texto anterior). Os alemães descartaram a oferta.
O monomotor (Pratt & Whitney/Snecma TF 306) Mirage G não rendeu um caça de produção, mas deu origem ao programa do bimotor (Atar 9K50) Mirage G.4 e dois protótipos foram encomendados. O primeiro protótipo G.4-01 foi renomeado Mirage G.8-01 e o segundo protótipo, renomeado e G8-02, teve sua configuração modificada para monoplace.
Os demonstradores monoplace e biplace do G.8 voam lado a lado sobre a costa francesa. Comparar estes aviões com a foto do Mirage G acima (FOTO: Dassault)
O G.8 era, grosso modo, a realização do que o consórcio Panavia planejava em termos de arranjo geral para o seu MRCA. Enquanto o primeiro já explorava o envelope de voo daquele arranjo aerodinâmico, o segundo não passava de um monte de idéias. Isto mostrava o quanto a indústria aeroespacial francesa estava à frente dos concorrentes europeus. Para coroar os êxitos, o G8-02 bateu o recorde europeu de velocidade, atingindo Mach 2,35 em 1973.
Foi também naquele ano que a Força Aérea Francesa (Armée de l’air)lançou as bases do programa ACF (Avion de Combat Futur), que definiria o substituto do Mirage III, o principal caça daquele país. O ACF deveria executar três tipos de missões: interceptação de aeronaves supersônicas voando alto, penetração a baixa altitude com armamento convencional ou nuclear e reconhecimento em qualquer condição meteorológica. O protótipo deveria ser construído em 1974 e a aeronave entraria em serviço entre 1978-1980.
Para atender aos requisitos da Força Aérea Francesa, a Dassault-Breguet (a Dassault fundiu-se com a Breguet em 1971) oferecia um derivado do Mirage G.8. Designado G.8A, o avião proposto era um caça monoplace, bireator, mas agora com asas fixas. Segundo os estudos franceses o ângulo de 55º para as asas era o mais adequado para um caça multimissão. Um caça de asas fixas também tinha como vantagens uma economia de 10% no preço de cada modelo e a simplificação do transporte de armamentos nos cabides subalares. Este avião seria um concorrente direto do F-15 da McDonnell Douglas.
Proposta da Dassault do Mirage G.8A para o ACF (DESENHO: Dassault)
O ACF seria equipado com um novo motor que estava em desenvolvimento pela Snecma e que substituiria a família Atar dos Mirage III/V/F.1. Este novo motor, denominado M53, também era previsto para equipar o Mirage F.1E. O protótipo do F.1E voou pela primeira vez em 1975. Não era intenção do ‘Armeé de l’air’ adquirir o F.1E (20% mais caro que o F.1C) e a aeronave visava somente o mercado externo, principalmente os usuários europeus do F-104 denominados ‘os quatro da OTAN’ (Holanda, Bélgica, Noruega e Dinamarca), países que não optaram pelo programa MRCA.
Em 1974, o ACF passou a ser conhecido oficialmente como “Super Mirage”. De certa forma, isto evitou a confusão com o programa ACF (Air Combat Aircraft) da USAF, vencido pelo YF-16. Falando nos norte-americanos, os revolucionários YF-16 e YF-17 eram fortes concorrentes no programa de caças dos ‘quatro da OTAN’.
A venda do F.1E, equipado com o propulsor M53, daria um suporte ao programa Super Mirage. Mas o sonho da exportação do F.1E durou pouco. O F-16 acabou escolhido pelos ‘quatro da OTAN’. Enquanto isso, o programa Super Mirage enfrentava elevação de custos.
Um caça muito caro (avaliado em duas vezes o preço de um F.1) e complexo (o desenvolvimento do radar pulso-doppler enfrentava atrasos) dificilmente repetiria o mesmo sucesso de vendas da família Mirage III/V. Em julho de 1975, o ministro da defesa francês informou que o programa Super Mirage, cujo segundo protótipo havia sido cancelado, seria reconsiderado. Enquanto o projeto nacional era colocado em dúvida, o multinacional MRCA realizava seu centésimo voou em Warton.
Uma das formas de salvar o programa Super Mirage era a cooperação. A França voltou a conversar novamente com os parceiros do programa MRCA em 1975, e sugeriu a ideia de equipar o Super Mirage com o motor RB.199 da Rolls Royce, preenchendo assim as necessidades da RAF e da Força Aérea Francesa para um interceptador. Por outro lado, a França adquiriria o MRCA para missões de ataque. Essa hipótese não deixou o campo das conversas políticas e, no dia 18 de dezembro de 1975, a França anunciava o cancelamento do programa Super Mirage.
Excluída a opção por um programa em cooperação com outras nações europeias, não sobraram muitas alternativas para a França. A opção por um caça de defesa aérea grande e pesado era custosa e dificilmente encontraria um número tão grande de clientes externos, como foi o caso da família Mirage III. Por outro lado, o F.1 era um bom caça e vendia bem, mas era uma aeronave defasada frente ao revolucionário F-16. Para atender às necessidades internas e brigar com o caça da General Dynamics no mercado externo, era necessário um produto mais adequado. E assim surgiu o programa Delta 2000, um caça monoreator e sem cauda na melhor tradição da linhagem Mirage.
continua na parte 5
LEIA TAMBÉM: