Muito antes do Eurofighter – parte 3
A história da cooperação europeia no desenvolvimento de projetos de caças, de 1965 a 1985
O MRCA
O caminho percorrido pelo MRCA mostrou logo no começo ser bastante difícil e espinhoso. A liderança do projeto era disputada pelo Reino Unido e pela Alemanha Ocidental. Da parte dos britânicos, existia a desconfiança da capacidade da indústria aeroespacial alemã em liderar um projeto tão complexo. Por outro lado, os alemães tinham argumentos diversos para tomar a frente do projeto, pois eles comprariam a maior quantidade de caças.
Propostas da BAC (esquerda) e da MBB (direita) no final de 1968 para a o MRCA. A proposta britânica lembra muito o AFVG e a alemã possuía asas a meia seção da fuselagem. (IMAGENS: BAC/MBB)
Para sustentar a posição alemã, até mesmo a possibilidade de desenvolver o programa de forma independente (como seria o NKF no início) foi cogitada. Conhecendo os problemas de gestação do MRCA, a francesa Dassault propôs participar do programa do caça multimissão desde que a Alemanha se comprometesse a participar da produção do caça de geometria variável Mirage G.4, desenvolvido a partir daquele mesmo programa, do qual os franceses disseram que não ameaçava o anglo-francês AFVG (a família Mirage G será tratada com mais detalhes na parte 4 desta série).
Paralelamente às discussões entre britânicos e alemães, no final de 1968 o Canadá decidiu deixar o MRCA. Dos seis membros do MRCA, o Canadá era o país cujos requisitos (conhecidos como CAMRA) mais se distanciavam do propósito central. A aeronave, como o próprio nome do programa informava, deveria ter capacidade multimissão, mas seria preferencialmente um avião de ataque. A Força Aérea do Canadá procurava um caça com alto SEP (Specific Excess Power), característica típica de aeronaves que exigem alta manobrabilidade como um “dogfighter”. Pelos mesmos motivos, a Bélgica deixou o programa logo no seu início. Além disso, ambos os países enfrentavam mudanças políticas internas com reflexos nos programas militares.
Finalmente, em março de 1969 (menos de um ano após a assinatura do memorando de entendimento) as companhias envolvidas no programa MRCA (BAC, Fiat, Fokker e MBB) divulgaram a formação da empresa Panavia Aircraft GmbH, com sede em Munique (Alemanha) e capital de 12.500 libras esterlinas. A Alemanha havia vencido a batalha pelo gerenciamento do programa. Na verdade, os britânicos acabaram cedendo com o propósito de manter a parceria multinacional. A atitude do Reino Unido mostrou que o caminho a ser percorrido para futuras parcerias europeias no campo aeroespacial era negociar e ceder quando necessário.
Maquete do Panavia 100, versão monoplace projetada para o ‘Panther’. Não passou da fase dos estudos iniciais (FOTO: FI)
O programa entrou em fase de definição em 14 de maio de 1969. A Panavia construiria dois modelos, sendo um monoplace (Panavia 100) e outro biplace (Panavia 200). Os números iniciais mostravam a produção de mais de 1200 aeronaves somente para os quatro países envolvidos no programa (600 para a Alemanha, 385 para o Reino Unido, 200 para a Itália e 100 para a Holanda).
Na divisão de trabalhos, a inglesa BAC construiria a fuselagem frontal do modelo biplace e a parte posterior de todos os modelos. A MBB alemã ficaria responsável pela seção central da fuselagem e a parte do nariz da versão monoplace. As asas eram responsabilidade da Fiat italiana e a Holanda estava encarregada das superfícies da cauda. A decisão do grupo propulsor (dois turbofans tanto para versão mono como para a biplace) ficaria para depois, sendo que os mais cotados eram o RB.199 da Rolls Royce, o Pratt & Whitney JTF16 (originalmente escolhido para o AVS alemão) e o M59 da Snecma.
Maquete em tamanho real do MRCA exposta em Warton. As formas finais já estavam presentes neste “mockup” (FOTO: BAC)
Durante o ‘Paris Air Show’ de 1969, o consórcio Panavia estreou publicamente e atraiu as atenções na área militar. Foi também durante aquele evento que a Panavia informou que o MRCA seria nomeado ‘Panther’. O nome não pegou e até que uma nova escolha fosse feita todos referiam-se ao caça simplesmente como ‘MRCA’.
Pouco tempo depois da criação da Panavia, a Holanda tomou a decisão de deixar o consórcio europeu. Suas razões não diferiam muito dos motivos expostos pelos canadenses e belgas. O programa seria muito custoso (estimado em 470 milhões de libras esterlinas) e não atenderia aos requisitos de sua Força Aérea, que buscava um caça moderno de interceptação/defesa aérea mais simples e mais barato, para um único tripulante e monoreator (alguém aí mencionou F-16?). O anúncio formal foi feito no dia 28 de julho de 1969.
Com a saída da Holanda, a divisão de trabalhos foi revista. O desenvolvimento das superfícies da cauda (responsabilidade de Fokker) e parte dos aviônicos (com participação da Phillips) foi redistribuído entre os outros três parceiros de acordo com o número de encomendas de cada país. Mas o maior o impacto da saída da Holanda estava no aspecto moral. O recém criado consórcio Panavia resistiria ao tempo? A cooperação era mesmo a saída? O futuro forneceria respostas a essas questões.
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