Muito antes do Eurofighter – parte 1
A história da cooperação europeia no desenvolvimento de projetos de caças, de 1965 a 1985
Projetar e construir um caça em parceria com outra nação nunca foi uma tarefa simples. Necessidades distintas, interesses políticos, segredos industriais e outros fatores sempre contribuíram para que cooperações não ocorressem. Mesmo quando estes obstáculos iniciais eram transpostos, o desenvolvimento de vários programas mostrava-se lento e tortuoso. Se as dificuldades no desenvolvimento de programas conjuntos apresentam tantos empecilhos, por que estabelecer estas parcerias? Na verdade, por pior que seja um programa conjunto, ele dificilmente será um fracasso total. Um dos motivos é a garantia da existência de um mercado mínimo, porém adequado, para o produto fruto da cooperação.
Esta série de textos do Poder Aéreo aborta a cooperação entre países europeus para o desenvolvimento de projetos de caças durante um período de 20 anos (1965 a 1985), apresentando as uniões e as divisões ocorridas. Consideramos este como o período mais crítico de toda essa história de cooperações. Foi também durante este espaço de tempo que se forjou a atual estrutura dicotômica de produção de caças no “velho continente” (excluindo-se 0 caso sueco).
O caminho percorrido foi tudo menos linear. Muitas vezes, quando os requisitos operacionais eram conflitantes, para não dizer diametralmente opostos, eis que surgiam soluções conciliadoras. Por outro lado, quando as soluções pareciam semelhantes e convergentes, pequenas intransigências colocavam tudo a perder. Contar a história dos “caças europeus” é algo complexo e tortuoso. Muitas vezes beirando o ilógico. Mas é acima de tudo uma lição de história para os outros países que desejam se aventurar no campo da cooperação aeroespacial para a produção de caças.
Cooperações Iniciais
A indústria aeronáutica militar da Europa Ocidental, entre o final da II Guerra Mundial e o início da década de 1960, resumia-se basicamente às empresas existentes na França e no Reino Unido. Por certo existiam outras de menor importância em países como Suécia, Itália e Holanda. A Suécia sempre buscou independência no desenvolvimento dos seus caças, mas com uma fração de componentes importados. Somente as indústrias francesas e britânicas eram capazes de produzir, do radar ao motor, uma aeronave de alto desempenho.
A partir da metade da década, esta situação começou a mudar. No ano de 1965, a Grã Bretanha e a França uniram forças com o propósito de desenvolver um caça com asas de geometria variável, provisoriamente denominado AFVG (Anglo-French Variable Geometry). No ano seguinte, as empresas Breguet Aviation e BAC (British Aircraft Corporation – empresa criada em 1960 a partir da união da Vickers-Armstrong, da Bristol e da English Electric Aviation) criaram o consórcio anglo-francês SEPECAT (Société Européenne de Production de l’Avion d’École de Combat et d’Appui Tactique).
O programa anglo-francês SEPECAT, comandado pela França, foi uma parceria de sucesso (FOTO: RAF)
O programa AFVG buscava uma aeronave que executasse as missões tipo AI (Air Interdiction – Interdição Aérea em Profundidade) e oa consórcio SEPECAT desenvolveria um caça mais simples para missões BAI (Battlefield Air Interdiction – Interdição Aérea do Campo de Batalha) e treinamento avançado. A Grã Bretanha responderia pelo gerenciamento do primeiro programa e a França lideraria o consórcio binacional SEPECAT.
Estes primeiros passos deram sinais de que o futuro da indústria aeroespacial europeia residia na cooperação entre os países daquele continente. Por outro lado, houve a falsa impressão de que o caminho seria linearmente suave.
A aeronave desenvolvida pelo consórcio SEPECAT, denominada Jaguar, mostrou-se muito mais complexa e especializada em ataque ao solo do que a proposta original, e a versão biplace da mesma foi empregada apenas para conversão operacional. Por esse motivo a necessidade de uma aeronave de treinamento avançado não foi preenchida.
Antes mesmo do projeto do Alpha Jet a indústria aeronáutica militar da Alemanha, interrompida com o fim da II Guerra Mundial, já dava sinais de renovação. O primeiro passo foi a produção sob licença do jato italiano Fiat G.91 pelo consórcio Flugzeug-Union Sud, uma união das empresas Messerschmitt, Heinkel e Dornier. Posteriormente, a Messerschmitt e a Dornier participaram fortemente do programa F-104G. Este não era o simples caso de produzir sob licença uma aeronave supersônica, mas sim modificá-la para atender a requisitos operacionais completamente distintos.
Nesta época, a indústria aeronáutica alemã já tinha maturidade suficiente para voltar a desenvolver um caça moderno a partir da prancheta. Tal capacidade ficou comprovada com o programa VJ 101, um demonstrador de tecnologia supersônico com capacidade V/STOL (Vertical/Short Take-Off and Landing) desenvolvido pelo consórcio EWR (Messerschmitt, Heinkel e Bölkow). Depois da parceria com a Itália na produção sob licença do G.91, a Fiat e a VFW (empresa com participação da Focke-Wulf) uniram esforços com o objetivo de desenvolver o VAK 191B, uma aeronave V/STOL de ataque.
As duas fotos acima mostram dois diferentes programas alemães de caças com capacidade V/STOL. Na foto superior o VJ-101 desenvolvido pela EWR e, na foto abaixo, o VAK-191 em cooperação com os italianos. Alemães e italianos desenvolveram diversas parcerias no campo aeronáutico nos últimos 50 anos
A Alemanha também desenvolvia outros estudos no campo V/STOL com os norte-americanos. Em parceria com a Fairchild-Republic, o consórcio alemão EWR trabalhava no Advanced Vertical Strike-Fighter, ou simplesmente AVS. O projeto era extremamente complexo, pois além de ser uma aeronave V/STOL também teria asas de geometria variável.
É interessante observar a quantidade de projetos alemães que davam ênfase a aeronaves com capacidade V/STOL. Na verdade isto tinha como base a doutrina da “Retaliação Maciça” (ou represália maciça), elaborada pelo Secretário de Estado norte-americano John Foster Dulles. Segundo Dulles as forças convencionais soviéticas eram superiores às forças dos EUA e qualquer ataque soviético seria retaliado como se fosse um ataque nuclear. Neste ambiente, caças convencionais e bases aéreas teriam vida curta (ou nenhuma chance) em um conflito europeu.