Bob Hoover, brigando com o F-100
Traduções inéditas por Roberto F.Santana
Apresentação pelo tradutor:
Caros amigos do Poder Aéreo, penso que o nome de Bob Hoover dispensa apresentações, uma lenda viva da aviação. Por tudo que já lemos,ouvimos e vimos desse aviador, poderíamos dizer o mesmo que outro grande piloto, Chuck Yeager, disse : “Bob Hoover é o melhor piloto que já vi”.
Em “Forever Flying” , o grande piloto descreve seus voos, sem dúvida, mais um bom livro para os entusiastas da aviação.
Apresento aqui, uma tradução despretensiosa de um trecho de um dos mais excitantes capítulos da obra. Fala de uma época da aviação em que pouca coisa se conhecia dos fenômenos aerodinâmicos do além “barreira do som”, coisas como pitch-up ou estol de compressor, eram pouco conhecidos.
Praticamente não existiam computadores no projeto e desenvolvimento de aeronaves, tudo que se tinha era lápis, papel e muita coragem. Hoje, os “primeiros voos” são nos computadores, naquela época não.
Naquela época, existia o indomável F-100 Super Sabre, mas existiam também homens que podiam domá-lo.
“Primeiros voos” eram para homens como Robert A. “Bob” Hoover.
Boa leitura!
Críticas e correções são bem-vindas.
Quando eu segui as instruções do manual para a entrada do parafuso, diminui a velocidade, não mais que 1 nó por segundo e segurava o avião até que ele estolasse completamente. Algumas aeronaves caem abruptamente e começam uma rotação violenta, enquanto outras caem sem virar ou caem para um lado ou outro no parafuso convencional. Na maioria dos casos, o F-100 tinha que ser forçado a entrar no parafuso mas era facilmente recuperado.
Para simular o pior cenário que poderia ocorrer no momento que o F-100 estolou, cruzei os comandos, que pode ser comparado analogicamente como um derrapar de um carro para a a esquerda e então girar o volante para a direita para mantê-lo na derrapagem. No F-100, puxei o manche todo para trás e dei aileron para a esquerda com todo o leme para a direita. Essa aplicação de comando cruzado era usada para forçar a aeronave a entrar em parafuso chato.
Nessa experiência seriam usadas diferentes técnicas para a recuperação do parafuso. Cada uma sendo aplicada após 4 voltas. Tão logo o avião entrou no parafuso chato, apliquei a primeira técnica, enquanto, pelo rádio ia falando com os engenheiros de teste no solo. Depois de mais 4 voltas, apliquei a próxima técnica, mas nada funcionava.
Eu estava num parafuso incontrolável e sabia que tinha pouco tempo para a recuperação e também as opções estavam acabando.
Decidi acionar o pós-queimador, acreditando que a imensa potência do motor poderia tirar o avião do parafuso chato. Mas o pós-queimador não acendeu. Nada acontecia.
Acionei então o pára-quedas na calda, esperando que isso abaixasse o nariz do avião e provocasse uma recuperação. Sem sorte.
Depois de 22 voltas e 5 diferentes técnicas, alijar o canopy era a minha última esperança. Isso mudaria o fluxo de ar e seria suficiente para a recuperação. Não adiantou. Fiquei surpreso, sem o canopy, não havia vento nenhum no cockpit, mesmo sabendo que eu estava caindo como uma pedra.
Ejetei , me separei do assento, puxei a corda de comando e o pára-quedas abriu.
Enquanto flutuava descendo de pára-quedas, olhei para o F-100 e pensei momentaneamente;
“Agora esse parafuso pára.”
Fiquei observando e imaginando , se sem o meu peso e o peso do assento, poderia de alguma forma parar o efeito. Não parou. O F-100 continuou no parafuso até se espatifar na superfície do deserto. Eu odiava aquela visão, era como se uma parte de mim caísse toda vez que aquilo acontecia. Tinha notificado o controle de teste de vôo que eu estava ejetando. Enquanto me aproximava do solo, comecei a ficar preocupado se pousaria no topo de uma árvore (Joshua Tree ) e ser furado pelos espinhos. Passei perto, o pára-quedas acabou se enroscando em uma delas.
Em pouco tempo, um helicóptero de salvamento chegou. Fui levado de volta a Palmdale onde o voo de teste tinha sido iniciado.
Quando cheguei lá, todos estavam interessados em saber precisamente o que tinha acontecido. Eles estavam ansiosos em saber se eu tinha tido alguma dificuldade de sair do avião. Quando disse a eles que não tive nenhum problema, eles me perguntaram “ Então porque está com o braço desse jeito?” Quando olhei para o meu braço direito, percebi que estava estranhamente deslocado. Aparentemente a adrenalina disfarçou a dor.
Quando ejetei do avião, meu ombro aparentemente tinha batido no trilho do canopy ao lado do cockpit, em virtude da força centrífuga do parafuso. Na hora não tinha sido sério mas isso me incomodou por um longo tempo. Tempos depois, eu soube que a articulação do meu ombro tinha sido gravemente machucada e precisaria de uma operação para reconstituí-la.
Nós perdemos outro F-100 alguns meses depois como resultado de testes envolvendo parafuso chato. Em um outro teste, consegui sair do parafuso usando o pós-queimador. Foi outra experiência assustadora mas a aeronave saiu do parafuso.
Geoge Welsh que foi um grande piloto de testes, conversavamos e trocamos muitas idéias antes dele ser morto no F-100.(N.T., Menção do autor em homenagem ao grande piloto de testes da N.A.). Em uma ocasião, quando voltei de um voo de teste , reportei um problema com a bomba hidráulica. Essa bomba não conseguia suprir os comandos de vôo em baixa velocidade durante o pouso.
Expliquei que isso ocorria durante pousos com vento cruzado e turbulência, o piloto tinha que manipular os controles de tal forma que não perdesse a força hidráulica. A aeronave então teria a força nos comandos necessária para o pouso nessas condições.
Para a minha surpresa, durante uma das reuniões com os engenheiros, um deles se levantou e disse, “ bem, para resolver isso é só manter pessoas como Hoover longe da aeronave”. Esse tipo de observação me pareceu estranha… E não ajudava em nada.
Meus detratores pareciam estar dizendo que um piloto mediano não manipularia os controles daquela forma e não teriam esses problemas hidráulicos! Eu disse que os pilotos precisavam voar as aeronaves a cada segundo sem deixar a mesma sair dos eixos.
O acalorado debate, terminou abruptamente quando outro piloto de testes, Jay Ray Donahue, chegou na reunião. Ele tinha acabado de voltar de um voo em que tinha tido uma perda de pressão hidráulica e os comandos travaram no pouso. Com tudo isso, ainda sim os engenheiros não progrediam.
Em um dos primeiros vôos do protótipo YF-100, eu estava voando na zona de treinamento de tiro em Inyo Kern para um teste com os canhões pela primeira vez. Quando estava a 42.000 pés, aconteceu uma violenta explosão e uma bola de fogo saiu pela tomada de ar do motor. Durou um milionésimo de segundo, mas foi assustador.
As explosões continuaram, e a cada uma delas, chamas surgiam pelo cockpit, eu tinha que fazer alguma coisa ou o F-100 iria acabar explodindo. Com o pensamento rápido, eu reduzi e cortei o motor. Finalmente, as explosões cessaram. Pensei que tinha sido uma mangueira de combustível que talvez tinha se partido e devido da falta de oxigênio a 42.000 pés, o motor não continuaria queimando, exceto, intermitentemente.
O controle de solo me disse para saltar. Eles mandaram bombeiros e ambulância para o lago seco no deserto e esperaram. Eu estava reluante em abandonar do avião, especialmente porque ele ainda estava voando bem.
Tomei a decisão de trazê-lo de volta e pousar no leito do lago seco. Queria provar que o F-100 poderia pousar sem motor. Muitos pensavam que devido sua alta carga alar, o Super Sabre necessitaria de muita velocidade para parar a razão de descida no pouso sem motor.
Eu tinha voltado pelo norte da base logo depois da primeira explosão e cheguei sobre ela com bastante altitude. Tinha planejado circular e fazer uma aproximação para o pouso no lago. Avisei o pessoal de teste de voo de minhas intenções. Eles já tinham sugerido abandonar a aeronave e então pediram que eu eu usasse a turbina de emergência de impacto de ar, no qual daria pressão hidráulica adicional para os controles de võo no pouso.
Ela ficava do lado direito do cockpit. Quando coloquei a mão nela, percebi que já tinha acionado o dispositivo instintivamente.
Quando completei a curva final , iniciei o arredondamento para o pouso, os controles de voo começaram a endurecer. Eu estava perdendo o controle do avião quando estava bem próximo de tocar.
Para manter o avião firme, eu puxei o manche com as duas mãos. O F-100 bateu no solo a 322 mph (596Km/h).
Momentaneamente, minha visão escureceu com o impacto, no qual, rompeu o trem de pouso da aeronave. Quando minha visão voltou, o F-100 que tinha quicado,estava voando com um ângulo de inclinação das asas muito grande. O leme era manual, chutei todo o pedal esquerdo em uma tentantiva de nivelar as asas antes que ele batesse no solo de novo. Foi tudo o que pude fazer. Quando a asa direita bateu no solo, o F-100 se arrastou rodopiando umas duas vezes antes que parasse.
Fiquei desorientado, o painel de instrumentos tinha soltado com o impacto e estava em cima de minhas pernas, sentia uma dor forte nas pernas e severos espasmos musculares em minhas costas. Apesar do desconforto, tentei me recompor e esperei a ajuda que rapidamente chegou. Quando o pessoal abriu o canopy falei, “ Cuidado! Além do ferimento nas pernas, eu acho que quebrei minha coluna”.
Pedi que fosse tirado do avião junto com o assento através de um guindaste e também não sairia de lá até que o médico chegasse. Apesar de alguma resistência, concordaram.
Eu tinha uma boa razão para isso. Uma semana antes do acidente, meu colega, piloto de testes Richard L. “Johnny” Johnson tinha sido hospitalizado depois de um acidente com um Convair F-102 na decolagem. Ele tinha quebrado uma vértebra e quando o visitei no hospital ele me contou que tinha sentido espasmos musculares logo após o acidente e que isso era um meio natural de proteger fraturas em sua espinha dorsal.
Logo que o médico chegou falei de minhas preocupações e o resgate me tirou do cockpit com um guindaste. Os médicos mantiveram meu corpo em uma posição estável até o hostpital. Continuei tendo espasmos musculares mas quando cheguei no hospital, o raio-X não indicava nenhuma fratura.Entretanto , recusei a aceitar esse resultado contrariando o parecer do médico residente. Pedi uma transferência para o Hospital Bom Samaritano em Los Angeles.
Lá, uma nova sessão de raio-x revelou uma fratura diagonal, que é um tipo de fratura que só se vê quando o raio-X é feito de ombro a ombro.Disseram me que eu poderia ter ficado paraplégico caso tivesse aceitado o primeiro diagnóstico de raio-X e saísse andando, como tinha sido sugerido, Fiquei fora de ação durante um tempo usando um colete rígido. Seis semanas depois eu estava de volta à ação.
Isso foi uma experiência com o violento estol de compressor do motor J57, mas não tinha sido a última, eles se tornaram menos intensos com alguns desenvolvimentos e seria um problema ocasional ao longo dos anos.
Durante minha carreira, tive meu nariz, meus dentes, minha mandíbula e minhas duas pernas quebradas. Felizmente, nada disso diminuiu minha capacidade de voar.
Depois de me recuperar desses tipos de ferimentos, nunca era fácil voltar ao mesmo avião responsável pelo acidente. Logo depois que me recuperei da coluna quebrada, voltei ao F-100 para fazer um programa de testes envolvendo movimentos rápidos na manete de potência, da marcha lenta até o “full power”.
O estol de compressor que causou o acidente no F-100 era comum em vôo de altitude. As vezes, me sentia como se estivesse sentado em um ganhão de 75 mm. Toda vez que ocorria uma explosão, meus pés saltavam do piso do cockpit e se eu tivesse feito esses testes milhares de vezes, sem nenhum incidente, jamais iria me acostumar com eles. O pessoal de controle de solo e o grupo de engenheiros não acreditavam que essas explosões de estol de compressor no F100 fossem tão violentas.
NOTAS:
- O tradudor, certa vez ouviu de um ex-piloto de F-100, que inclusive voou no Vietnam , que uma das coisas de que nunca esqueceu em sua carreira no Super Sabre, eram justamente os “compressor stalls”, dizia que suas pernas saltavam debaixo do painel de instrumentos.
- Fotos do texto não são do livro.