França mantém ameaça à retomada de negociação de acordo com Mercosul
Na prática, a negociação já foi relançada, pois a Comissão Europeia tem o mandato para levar adiante a discussão e o presidente José Durão Barroso divulgou até comunicado. A França busca apoio de outros países sob a alegação de que um acordo com o Mercosul vai ser devastador para a agricultura europeia. Mas poucos entendiam porque Paris insiste tanto em se opor agora, quando não se tem sequer uma ideia do que poderá ser a abertura agrícola.
A posição francesa provocou uma dura reação do Brasil, na 2ª reunião do Comitê Técnico para Promoção Comercial e Investimentos Brasil-França, ocorrida na semana passada em Brasília.
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e o Itamaraty manifestaram “insatisfação” com a posição da França na negociação birregional, lembrando que a parceria estratégica é completa e vai de temas culturais a militares e econômicos.
A irritação é tanta que o MDIC começou a articular com o Itamaraty uma vinculação entre a compra de jatos de combate a uma flexibilização da posição francesa na negociação com o Mercosul.
O Ministério da Defesa, porém, resiste. Alega que já há enormes questões técnicas para a aquisição dos jatos e misturá-las com pressão diplomática sobre outros temas comerciais é um complicador a mais. Insatisfeito, o MDIC procurou diretamente a Casa Civil da Presidência da República e pediu para o governo segurar o anúncio do ganhador da licitação dos jatos até que a negociação seja relançada e a França atenue sua posição.
Mas os franceses alertam mesmo para o ganho que o Mercosul teria, de 4,5 bilhões por ano, que foi mencionado pela própria Comissão Europeia. Na prática, o presidente Nicolas Sarkozy, cada vez mais impopular, não quer afundar ainda mais junto à opinião pública, porque sua própria candidatura à reeleição está ameaçada.
Já para o Mercosul, a dificuldade francesa é um problema entre os europeus. “O Mercosul já alcançou consenso sobre todos os temas e está pronto a negociar”, afirmou o secretário de Comércio Exterior do MDIC, Welber Barral.
Negociadores continuavam tentando superar divergências ontem sobre a declaração conjunta dos chefes de Estado e de governo a ser divulgada amanhã no fim cúpula UE-América Latina e Caribe.
Combalida pela crise do endividamento e pelo crescente desemprego, a UE mostrava racha também sobre outras questões mais gerais. Por exemplo, resistia à demanda da América Latina para os chefes de Estado condenarem a lei de imigração do Estado americano do Arizona, provavelmente porque teme ser criticada também pela dureza de suas regras.
O México tomou a iniciativa de mobilizar contra a nova lei do Arizona, que dá poder à polícia para verificar a situação migratória e prender estrangeiros irregulares. Fontes identificam a Grã-Bretanha, com o novo governo conservador de David Cameron, como um dos países que estão forçando a retirada da condenação do texto, enquanto os latino-americanos insistem em sua manutenção.
O tema da migração volta à tona ao mesmo tempo em que estudos mostram que a UE representa hoje apenas 7,5% da população do mundo, comparado a 14% em 1960, e tende a cair a 5% da população mundial em 2050, marcada pelo número de idosos . A população em idade de trabalhar se reduzirá em 68 milhões de pessoas. Significa que cada quatro pessoas em idade de trabalhar terá nas suas costas três aposentados. Para compensar o déficit populacional, a Europa atrairá 100 milhões de pessoas de fora nos próximos 40 anos.
Outro tema de controvérsia é Cuba. A delegação de Havana participará da cúpula sob tensão, com os 27 países do bloco europeu rachados sobre que política continuar adotando em relação à ilha de Fidel Castro. A morte em 23 de fevereiro do preso Orlando Zapata, depois de uma greve de fome de 85 dias, provocou forte protesto do Parlamento Europeu. Negociadores indagam como não reagir à situação em Cuba, ao mesmo tempo em que a cúpula excluiu o presidente eleito de Honduras.
A Espanha e a França são mais favoráveis ao diálogo, enquanto os ex-países comunistas do Leste Europeu endurecem contra Cuba. Só ontem a UE aceitou colocar na declaração dos chefes de Estado uma citação que rejeita o “caráter unilateral e coercitivo” da lei Helms-Burton, dos EUA, que impõe sanções a empresas e países que negociarem com Cuba. Mas a confusão diplomática continua, porque os europeus agora querem esconder esse parágrafo mais para o fim do documento e Cuba não aceita.
FONTE: Valor Econômico
NOTA DO EDITOR: que “Aliança Estratégica” é essa?