O programa A-X da FAB

Ilustração do projeto EMB-330, primeira tentativa da Embraer para equipar o FAB com um jato de ataque

Do outro lado do Atlântico o Brasil enfrentava os seus próprios dilemas. Na segunda metade da década de 1960 a grande preocupação da Força Aérea Brasileira (FAB) era a substituição de suas aeronaves de caça e a proteção do espaço aéreo brasileiro. Na verdade a FAB daquela época não possuía nenhuma aeronave deste tipo, e os T-33 Shooting Star e suas variantes (TF-33, TF-33A e AT-33A) literalmente “quebravam o galho”.

O início da década seguinte assistiu a uma verdadeira revolução na aviação de caça do Brasil. Em 1971 o primeiro Xavante montado no Brasil fazia o seu voo inaugural. No ano seguinte chegou o primeiro dos 16 interceptadores franceses Mirage IIIE e em 1973 a FAB selecionava o F-5E como seu principal caça tático de interdição e superioridade aérea. Ou seja, em menos de quatro anos a FAB firmou contratos para a aquisição de nada menos que 170 jatos, sendo 58 supersônicos (vale lembrar que, posteriormente, a FAB iria adquirir mais exemplares do Xavante, em novos contratos).

A introdução dos Mirage III na FAB marcou o início de uma revolução na aviação de caça. Superada a questão da defesa aérea, a FAB passou a se preocupar com a renovação da aviação de ataque e bombardeio (FOTO: FAB).

Mas o início da década de 1970 também assistiu à degradação do equipamento de bombardeio e ataque da Força Aérea Brasileira. Resolvida a “questão da caça”, o Ministério da Aeronáutica passou a se preocupar em reformular e modernizar suas aeronaves de bombardeio, ataque naval e reconhecimento. Estas eram funções executadas pelos B-26 (renomeados A-26 a partir de 1970) operados pelo 1º/5º GAv (Natal/RN) e pelo 1º/10º GAv (Cumbica/SP). A necessidade de substituição deste modelo de aeronave projetada na II Guerra Mundial já se mostrava necessária frente à obsolência da mesma. O fato foi agravado pela descoberta de rachaduras nas longarinas das asas de parte destes aviões em 1972, mesmo após a modernização da frota feita nos EUA anos antes.

O problema foi parcialmente contornado com a distribuição dos jatos Xavante para determinadas unidades. Em 1974 o 1º/4º GAv recebeu os seus EMB-326. Além da responsabilidade de formar líderes de esquadrilha, o esquadrão tinha como missão as ações de caça e ataque ao solo. O 1º/10º GAv trocou os seus A-26 por EMB-326GB em 1976, sendo transferido para Santa Maria no final de 1978, e passou a executar missões de reconhecimento. Também em Santa Maria o 3º/10º GAv, responsável por missões de interdição, apoio aéreo aproximado, ataque ao solo e ataque marítimo, passou a ser equipado com EMB-326G naquele mesmo ano.

O Xavante substituiu, em parte, os A-26 Invader na função de ataque ao solo e reconhecimento aéreo. Porém, o mesmo foi empregado apenas como “caça tampão” até que viesse a solução definitiva. Era necessário um avião dedicado às missões de interdição e ataque ao solo (FOTO: FAB).

O Xavante não era mais do que uma aeronave de treinamento avançado capaz de executar missões de ataque leve e reconhecimento. A FAB precisava realmente de uma aeronave dedicada como era o A-26 (desativados em caráter definitivo em dezembro de 1975) e adaptada às necessidades às exigências do campo de batalha do futuro que se projetava.

Desta maneira surgiu o programa A-X, que buscava um caça de ataque capaz de executar missões de interdição do campo de batalha (BAI), reconhecimento e ataque marítimo. A idéia era buscar uma aeronave que, em performance, ficasse entre o F-5 e o Xavante.

Primeiramente a Embraer procurou desenvolver um projeto que atendesse aos requisitos da FAB baseando-se no projeto do Aermacchi MB-326. A experiência da empresa brasileira neste campo foi praticamente construída em cima da produção do jato EMB-326 Xavante. Portanto, era natural que os estudos partissem do próprio projeto da Aermacchi. Em 1974 a Embraer idealizou uma aeronave de ataque monoplace, de asa baixa, mais veloz e com maior capacidade ofensiva que o Xavante. O projeto recebeu o nome EMB-330.

Pelo desenho apresentado é possível observar algumas características do estudo. A porção frontal da fuselagem foi totalmente redesenhada. O cockpit perdeu o segundo ocupante e dois canhões de 30mm (um de cada lado) foram projetados no lugar dele. Em relação às pontas das asas, os tanques foram removidos e elas ganharam um contorno arredondado nas extremidades, assim como o topo da deriva. Uma barbatana ventral foi inserida próxima ao bocal de exaustão.

No aspecto geral o desenho lembrava a versão de ataque do MB.326 da Aermacchi, denominada 326K. A versão “K” possuía um motor Viper mais potente de 1.814kg de empuxo e voou pela primeira vez em agosto de 1970. Mas nessa época a Aermachi já trabalhava no MB.339, substituto do 326, e também previa uma versão de ataque semelhante ao 326K. Em outras palavras, o EMB-330 não apresentava nada de novo.

O estudo foi encaminhado ao Ministério da Aeronáutica em setembro de 1974 através do documento ET-AX/008. No entanto, o MAer chegou a conclusão que os estudos da Embraer não satisfaziam as necessidades da FAB para o programa A-X, que exigia um avião mais capaz, com desenho mais moderno e mais especializado em missões BAI.

A Embraer voltou a trabalhar em um jato de ataque mais evoluído que o seu estudo anterior. Mas a falta de experiência tornava a tarefa bastante árdua. Com a ajuda da Aermacchi, cujas relações eram muito boas em função do programa Xavante, o projeto foi totalmente reformulado, visando atender às exigências do programa A-X. Praticamente as únicas coisas que se conservaram foram os canhões de 30mm. O motor foi substituído por um turbofan inglês Rolls Royce M-45H. As asas foram colocadas na parte superior da fuselagem, assim como as duas entradas de ar do motor. O bocal de exaustão foi recuado e acima dele foi posicionado um freio aerodinâmico. Os profundores foram projetados no alto da deriva, dando um aspecto de cauda em “T” semelhante ao jato sueco Saab 105.

O projeto foi lançado inicialmente em fevereiro de 1976 através do documento EP-AX/065. Em maio de 1977 o projeto foi revisado, recebendo melhorias e detalhes adicionais. O resultado final foi a publicação PT-AX/107, emitida em maio de 1977 e submetida à apreciação do Ministério da Aeronáutica (MAer).

O projeto foi designado MB.340 e encontrava-se bastante detalhado. Até mesmo a divisão de trabalho entre a Aermacchi e a Embraer estava definida. E empresa brasileira responderia por 1/3 do programa e dos custos, sendo responsável pelas seções das asas, empenagem e testes de fadiga da estrutura. A Aermacchi responderia pelos outros 2/3 e produziria a fuselagem, os sistemas de bordo, os testes estáticos e com armamentos. Quatro protótipos foram previstos (dois em cada país) e poderiam ser construídos já em 1978.

No segundo semestre de 1977 um equipe de engenheiros da Embraer seguiu para a sede da Aermacchi em Varese (Itália) para discutir o projeto. Era aguardado apenas a “luz verde” do MAer para o início dos trabalhos. Porém, o brigadeiro Araripe (Tenente-Brigadeiro Joelmir Campos de Araripe Macedo), Ministro da Aeronáutica naquela época, decidiu pelo congelamento do projeto alegando questões ligadas a custos e prazos. Os estudos do programa A-X só seriam retomados no governo seguinte, com a posse o presidente João Batista Figueiredo em outubro de 1978.

Com o novo governo o programa A-X ganhou novo fôlego. O projeto MB.340 foi colocado de lado, mas não uma parceria, como propunha a Aermacchi. Na busca por parcerias externas, uma equipe da Embraer esteve na Europa no final de 1979 e visitou o Reino Unido primeiramente. A ideia era avaliar a possibilidade de se adaptar o jato BAe Hawk aos requisitos do programa A-X.

Os ingleses propuseram mudanças na aeronave, mas não permitiram a participação dos brasileiros no projeto, apenas a montagem sob licença. Este não era o desejo dos brasileiros e as conversas não evoluíram. Depois de uma semana na Grã Bretanha, o grupo seguiu para a Itália. Lá, os engenheiros encontraram uma situação bastante diferente daquela de dois anos antes.

A formação do consórcio e a definição do projeto

Uma das primeiras concepções artísitcas do AMX feita pela Embraer. Observar os dois padrões diferentes de camuflagem (coleção do autor)

Na formação do consórcio italiano AMX as cotas de participação das empresas estavam divididas da seguinte maneira: Aeritalia – 70%; Aermacchi – 30%. Uma eventual a associação com os suecos mudaria esta relação. Mas, como foi visto anteriormente, isto não ocorreu, o que não significa que um terceiro parceiro estivesse descartado.

A Aermacchi, que deu suporte à Embraer no programa MB.340 e também colaborava com a Aeritalia no projeto AMX, observou certas semelhanças entre ambos e sugeriu o início das conversações entre os dois países. Os primeiros entendimentos ocorreram ainda em 1979, quando um grupo de técnicos da Embraer realizou uma visita à Itália após deixar a Grã Bretanha.

Os contatos foram intensificados no início do ano seguinte, visando estabelecer a redação preliminar de um memorando de entendimento entre as três empresas. Embora a relação entre a Embraer e a Macchi fosse bastante cordial, as duas companhias tiveram dificuldades em dialogar com a Aerilatia logo no começo, tumultuando as negociações. O eng. Ozires Silva, em seu livro “A decolagem de um sonho”, descreveu o relacionamento da seguinte maneira:

“A hostilidade da Aeritalia de ter brasileiros dentro do projeto ficou clara logo nos primeiros encontros com os dirigentes da empresa, em 1980. Reunidos em Torino, numa gigantesca mesa (..), cheia de gente em volta, sentimos que a Embraer e a Macchi estavam ali presentes simplesmente devido ao interesse da FAB em comprar os novos aviões. Éramos flagrantemente ignorados e permanentemente desrespeitados quando da apresentação de algum ponto que considerávamos relevante.”

Uma das primeiras maquetes do AMX divulgada para o grande público. Observar a presença da placa separadora da camada-limite na tomada de ar (coleção do autor).

Em março de 1980 a notícia veio à público. As autoridades aeronáuticas brasileiras anunciaram a sua decisão oficial de participar do programa AMX. Durante a Feira Aeroespacial de Farnborough daquele ano as três empresas comunicaram a assinatura do MoU (‘Memorandum of Understanding’), sendo que os detalhes técnicos e econômicos, bem como a participação de cada empresa no projeto, ficaram de ser estudados.

Maquete do AMX fotografada sobre um fundo que contém a superfície do mar. Observar os dois mísseis ASM nos cabides internos sob as asas. Uma das atribuições do caça era o ataque naval (coleção do autor).

A decisão do Brasil de participar do projeto foi oficializada quase um ano depois do primeiro anúncio. No dia 27 de março de 1981 foi assinado um acordo entre os dois países, de forma que os mesmos fizessem “encomendas substanciais” a fim de justificar o projeto. Oficialmente não foram citados números, mas falava-se em 200 exemplares para a AMI e outros 100 para a FAB. As cifras oficiais vieram em julho daquele ano, quando as três empresas assinaram o memorando de desenvolvimento. A AMI adquiriria 187 caças e a FAB outros 79 exemplares.

As companhias italianas seriam responsáveis por 70,3% (sendo 46,7% para a Aeritalia e 23,6% para a Aermacchi) do programa e a Embraer o restante dos 29,7%. Coube à Embraer a fabricação das asas, tomadas de ar do motor, estabilizadores horizontais, pilones subalares (“cabides de armas”) e tanques de combustível.

É muito provável que a divisão de produção das diferentes partes da aeronave tenha levado em conta as questões logísticas e por esse motivo praticamente toda a fuselagem (com exceção das tomadas de ar do motor) tenha ficado com as duas companhias italianas. O Brasil tinha especial interesse no alcance longo da aeronave e por esse motivo ficou de desenvolver os tanques e os “cabides molhados” para o uso de tanques subalares. Foram também estabelecidas duas linhas de produção independentes, uma em cada país.

Uma das primeiras maquetes do AMX mostrando os cocares tanto da Força Aére Brasileira como da Aeronautica Militare Italiana (coleção do autor).

Estreitavam-se assim as relações aeronáuticas entre Brasil e Itália. Cooperação esta que começou com a produção sob licença do jato MB-326G em 1970. Para a Itália o AMX era apenas mais um projeto aeronáutico. O mesmo não poderia ser dito para o Brasil, cujo salto tecnológico era enorme. Algo que colocaria o país na vanguarda da indústria aeroespacial. Porém, este programa enfrentaria vários percalços, mas isto já é assunto para um outro texto.

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