O problema italiano

A Luftwaffe (Força Aérea Alemã) no início da década de 1970 havia dado uma solução própria para a sua aviação de ataque. O caça-bombardeiro Panavia Tornado substituiria o F-104G e seria responsável pelas missões tipo AI e BAI (ver texto anterior). Já antigos Fiat G.91 dariam lugar aos os novos Alpha Jet, tanto na função de ataque como treinamento avançado. Nenhuma aeronave intermediária entre o Tornado e o Alpha Jet seria necessária.

Esta solução não funcionava na Itália. Na concepção tática daquele país mediterrâneo uma aeronave como o Alpha Jet não tinha os requisitos necessários para executar missões tipo BAI.  Por outro lado, o Tornado era uma aeronave cara e complexa e o seu emprego em missões tipo BAI significava a subutilização do avião. Seria um luxo muito grande o emprego do caríssimo Tornado em missões menos complexas. Grosso modo, a visão tática italiana aproximava-se da RAF. A AMI queria um caça semelhante ao SEPECAT Jaguar.

Mas era necessário a aquisição de um caça mais simples, que fosse adquirido em maior número para substituir o restante dos F-104G e toda a frota de Fiat G.91. Não era intenção da Força Aérea Italiana (AMI) adquirir uma aeronave com essas características no exterior, descartando-se assim o próprio Jaguar. O objetivo era, a partir da experiência adquirida no programa do Tornado, projetar e desenvolver localmente uma aeronave de ataque. Parcerias com outros países não estavam descartadas.

Na verdade a empresa estatal italiana Aeritalia, uma das consorciadas do programa Panavia, já vinha estudando alternativas desde 1973 que se encaixassem no perfil de missões tipo BAI visando a substituição do Fiat G.91 e do F-104G. O que era somente um estudo tornou-se documento oficial.

A AMI, com base nos estudos preliminares da Aeritalia, passou a trabalhar nos requisitos iniciais da nova aeronave. Em junho de 1977 o Estado-Maior da AMI divulgou os seus requisitos básicos visando o desenvolvimento de um avião de ataque.

Basicamente tratava-se de um jato monoplace de pequeno porte que pudesse atuar em missões de interdição aérea do campo de batalha (BAI) e em determinadas ações de apoio aéreo aproximado (CAS). A aeronave deveria ainda ter capacidade secundária para executar missões anti-navio, guerra eletrônica e treinamento avançado (nestes dois últimos casos com uma versão biplace).

Em abril de 1978 a Aeritalia e a Aeronautica Macchi (construtora dos jatos de treinamento MB.326) assinaram um acordo de cooperação para o desenvolvimento conjunto do projeto do futuro caça de interdição italiano. A junção das iniciais das palavras Aeritalia e Macchi mais a letra “X”, simbolizando o projeto (ou aeronave experimental), designavam o programa AMX. O projeto detalhado deveria estar completo em 1979 e esperava-se o primeiro voo do protótipo para o final de 1982.

Previa-se a aquisição de 180 unidades sendo a primeira entregue em 1985 e a última em 1991. O desenvolvimento do programa como um todo ocorreria em um curto período de tempo e deveria ter custos bastante baixos. Desde o início o conceito “design-to-cost basis” foi adotado pela AMI e o custo unitário estimado para cada aeronave deveria ficar próximo de 2,1 milhões de libras esterlinas (valores de 1978).

Considerando a missão da aeronave e as restrições orçamentárias, optou-se pelo desenvolvimento de um caça subsônico e asa de geometria fixa. Parte da tecnologia desenvolvida para o Tornado seria empregada no novo caça, economizando no desenvolvimento de certos sistemas. Mesmo assim era desejável uma parceria com outro país como forma de garantir um número maior de encomendas e reduzir os custos.

A busca por parceiros no programa do novo caça tático italiano não era uma missão fácil. Os países membros da OTAN ou não demonstraram interesse no projeto ou já tinham suas próprias alternativas para missões BAI. Era necessário buscar um parceiro fora da aliança militar.

Conversas com os suecos

Na feira aeroespacial de Le Burget de 1977 a empresa sueca Saab apresentou um modelo de jato biplace denominado B3LA. A proposta da Saab era desenvolver um avião que substituísse o jato Saab-105 (Sk 60 na Real Força Aérea da Suécia).

Modelo do provável B3LA apresentado pela Saab na feira Aeroespacial de Le Bourget em 1977. São inegáveis as semelhanças com o projeto AMX (FOTO: Fleugerevue)

Na verdade o conceito era um pouco diferente. O Saab-105 era uma aeronave biplace (lado a lado) de treinamento com capacidade secundária de ataque leve. A proposta da Saab agora era desenvolver um caça tático de interdição do campo de batalha, mas que também atuasse como jato de treinamento avançado em tempo de paz.

Na proposta da Saab a conversão de ataque para treinador necessitava da remoção de parte do equipamento, o que tomaria algumas horas. O custo do desenvolvimento do B3LA foi estimado em 325 milhões de libras esterlinas (valores de 1978). O desenho do B3LA era bastante convencional, sendo um monoreator com dupla entrada de ar elevada e com as asas posicionadas na seção superior da fuselagem. A área alar (240ft2) era relativamente grande para um caça compacto, pois o objetivo era proporcionar manobrabilidade à aeronave.

O desenho dos flaps otimizava o desempenho do avião em pousos e decolagens em pistas curtas. Aproximadamente 20% da aeronave seria construída utilizando-se materiais compostos, uma grande novidade na época. Painéis de acesso, superfícies de controle, freio aerodinâmico e porta do compartimento do trem de pouso seriam de fibra de carbono. O emprego deste tipo de material reduziria o peso final da aeronave, melhorando a relação peso / empuxo.

A questão da motorização não havia sido decidida. As opções eram o comprovado GE F404, mais barato e de manutenção mais simples, ou o novo RB.199 que equipava o Tornado. A Real Força Aérea da Suécia preferia o F404 e a Saab-Scania o motor da Turbo-Union. O motor norte-americano possuía 2.000 libras de empuxo a mais, mas consumia uma quantidade maior de combustível.

O desenho acima mostra as áreas onde seriam empregados materiais compostos no B3LA. Até neste quesito existem semelhanças com o projeto do AMX. (DESENHO: Flight Intrnational)

O B3LA não levaria um radar, mas seu equipamento de navegação e ataque incorporaria sofisticados sistemas para armas guiadas. Grosso modo, esta solução também foi empregada pela USAF nos A-10 Thunderbolt II, que entravam em operação na Europa naquele momento.

O principal sistema de aquisição e rastreamento de alvos seria baseado em um FLIR (Forward-Looking Infra-Red system) desenvolvido pela Ericsson. Também estava previsto o uso de laser para definir distâncias do alvo e alerta de altitude. As informações do campo de batalha seriam mostradas ao piloto tanto no HUD como em uma tela logo abaixo dele no centro do painel. O processamento dos dados seria feito por um computador desenvolvido localmente chamado D80. Os alvos mais próximos da linha de voo do avião ficariam em destaque no HUD. As informações do alvo seriam transmitidas para os mísseis imediatamente e caberia ao piloto apenas a liberação para que o sistema disparasse o armamento.

O míssil sugerido era o novo B83, em desenvolvimento pelos suecos e muito semelhante ao Hellfire e ao Maverik norte-americanos. Até oito B83 seriam transportados. Além dos mísseis B83 o B3LA transportaria dois AAM (air-to-air missile) de curto alcance na ponta das asas para sua própria defesa ou ataque a helicópteros e aeronaves de transporte. Não havia previsão para canhão interno.

A proposta do caça sueco tinha muito em comum com o projeto italiano. Comparando os desenhos e as maquetes do B3LA com o AMX fica evidente a semelhança entre os dois projetos. Em diversos pontos os requisitos eram diferentes, mas não era nada que não pudesse ser superado após alguns ajustes. A parceria era importante para ambos como forma de repartir custos e elevar o número de encomendas.

Esquema apresentando a distribuição dos equipamentos da parte frontal da fuselagem e a disposição dos dois tripulantes. Na missão de ataque o segundo assento seria retirado e substituído por equipamentos de combate. (FONTE: airplane design)

Um pouco depois da formação do consórcio Aeritalia/Macchi, o governo italiano procurou o governo sueco para discutir o assunto. No segundo semestre de 1978 a publicação britânica Flight International visitou as instalações da Saab em Linkoping e entrevistou Gunnar Lindqvist, responsável pelo desenvolvimento de aeronaves militares do Comando de Material de Defesa da Suécia. Lindqvist falou da eventual parceria com os italianos. A seguir, os principais trechos desta entrevista:

Foi comentado que o projeto B3LA pode não seguir em frente em favor de uma associação com os italianos no projeto AMX.

Bem, neste caso o AMX pode ser o B3LA para nós, é só uma questão dar “nome aos bois”. Existem fortes semelhanças. Se você chamar de AMX ou de B3LA ou qualquer outra coisa isso não vai ter muita importância. Nós podemos nos associar ou não.

Foi comentado que os italianos estão procurando uma aeronave mais simples.

Nós tivemos esta mesma impressão num primeiro momento, mas agora que sabemos mais o que eles querem pensamos que esta aeronave [o AMX] não é mais simples que a nossa. Eu diria até que os requisitos deles são mais exigentes que os nossos em determinadas áreas e vice-versa.

Em outubro de 1978 o Partido Liberal assumiu o governo sueco. O comitê de estudos do projeto B3LA, formado em janeiro daquele ano para avaliar os efeitos do projeto na indústria aeroespacial sueca, entregou ao recém empossado ministro da defesa Lars de Geer um relatório de 300 páginas. No dia 20 de novembro de Geer informou ao parlamento sueco que a Real Força Aérea da Suécia não consideraria mais o projeto B3LA.

Em seu lugar foi proposto uma aeronave de treinamento mais simples e de custos mais baixos previamente designada Sk38. E desta forma o projeto B3LA foi enterrado e uma eventual associação com os italianos ficou totalmente descartada.

O Sk38 nunca saiu do papel, assim como o projeto do caça A-20, e a SAAB dedicou-se a melhorias no projeto do J-37 Viggen e na abertura do caminho para o seu substituto, o projeto JAS (Jakt, Attack, Spanning – caça, ataque, reconhecimento), denominado Gripen anos depois. É curioso notar que a desistência do programa B3LA, e uma eventual associação com os italianos no programa AMX, acabou dando mais impulso ao programa JAS Gripen.

Continua na Parte 4

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