AMX: a concepção do projeto – parte 1
Aviação tática na Europa no final da década de 1960
Segundo estimativas da OTAN, atrás da “cortina de ferro” existiam 1,1 milhão de homens e perto de 17.500 carros de combate, apoiados por 4.000 caças e bombardeiros. Do lado ocidental os números eram mais modestos, somando 900.000 militares, 7.000 carros de combate e 2.000 caças e bombardeiros. Mas no campo aeronáutico a quantidade menor era atenuada pela melhor qualidade dos equipamentos ocidentais.
Mapa da Eupora mostrando os países membros da OTAN e do Pacto de Varsóvia no final da década de 1960 (exceção feita à Espanha). A Alemanha Ocidental representava o “front” central. O flanco Sul era representado pela Itália, Grécia e Turquia e o flanco Norte pela Noruega, Islândia e Dinamarca. (FONTE: Wikipedia)
Naquela época o corpo central da aviação tática de combate dos países do Pacto de Varsóvia era formado por caças do tipo MiG-19, MiG-21, MiG-23, Su-15, Su-17/20/22 e Yak-28. Mas a URSS já trabalhava no desenvolvimento de caças e bombardeiros mais modernos.
O MiG-25, quando foi visto pela primeira vez no ocidente, alarmou os militares da OTAN. O mesmo aconteceu quando as primeiras notícias sobre o Su-19 ‘Fencer’ foram publicadas. Além disso, acreditava-se que a nova geração de caças (futuros MiG-29 e o Su-27), que entraria em atividade no final da década de 1970 e início da década seguinte, seria equivalente ou superior aos caças ocidentais.
A aviação de combate do Pacto de Varsóvia era muito mais numerosa. Somente da família MiG-21, visto aqui sobre Domodyedovo em 1967, foram construídos mais de dez mil exemplares na URSS. (divulgação)
Os EUA já se preparavam para esta ameaça e desenvolviam uma nova família de aeronaves (A-10, F-14, F-15, YF-16 e YF-17). Mas a resposta dos países da Europa Ocidental parecia lenta. Com exceção da França (fora do comando da OTAN desde 1966) e do Reino Unido, praticamente não existiam projetos de caças e bombardeiros.
A França colocava em atividade o Mirage F1 e trabalhava em uma série de outros programas (o ACF e o Mirage G8 por exemplo). No Reino Unido o principal programa era o sofisticado jato de ataque TSR-2, além do desenvolvimento dos caças V/STOL Harrier. Deve-se destacar também a parceria entre ambos, que originou o caça tático de ataque SEPECAT Jaguar.
Outros importantes países da OTAN como Itália, Alemanha, Bélgica e Holanda pouco contribuíam com novos projetos e, desde a criação da aliança militar, eram fartamente abastecidos por equipamentos de origem norte-americana. Um importante passo com o intuito de mudar esta situação foi dado em 1958. Naquele ano a Alemanha Ocidental escolheu o interceptador F-104 Starfighter da Lockheed como base para o seu novo caça. A grande novidade residia no fato de que sua produção ocorreria em solo europeu.
O principal avião de combate da Europa Ocidental na década de 1960 era o F-104G. Nada menos do que 1500 exemplares foram produzidos (incluindo os modelos biplace e de reconhecimento). As missões de ataque ao solo eram apenas uma das várias funções do modelo “G”. Na foto acima aparecem cinco F-104G de ataque naval da Marinflieger (FOTO: Marineflieger).
O modelo foi designado F-104G e uma série de modificações foi feita para torná-lo um caça polivalente, incluindo missões de ataque ao solo com precisão. Bélgica, Holanda e Itália tabém aderiram ao programa F-104G. Mais do que um caça novo, o programa foi importantíssimo para o renascimento da indústria aeronáutica europeia (excluindo França e Reino Unido com já mencionado), permitindo que estes países se capacitassem para a produção de caças modernos de alta performance.
A penetração a baixa altitude
No entanto, o F-104G era uma adaptação de um avião originalmente projetado para ser interceptador. Seu emprego como aeronave de ataque tinha limitações. Uma delas era a penetração a baixa altitude.
Já se sabia desde a década de 1950 que a forma mais segura de penetrar em território hostil era através do voo a baixa altitude. Para os estrategistas do Ocidente, esta tática contribuiria muito para reduzir a superioridade numérica dos soviéticos. Voando baixo e rápido os caças penetrariam profundamente em territótio inimigo, atacando alvos táticos e estratégicos.
Alguns países que utilizavam o Starfighter estavam interessados em substituir o F-104 por um modelo de caça que atendesse a estes requisitos (voar baixo, rápido e de forma segura com alta capacidade de sobrevivência).
Um F-111F voando baixo e rápido. Acreditava-se que esta era a melhor tática para penetrar no espaço aéreo da URSS. Um grupo de países europeus desejava um avião com estas mesmas características. (FOTO: USAF)
Mas voar baixo e rápido exigia um desenho específico de avião. Não se tratava simplesmente de adaptar um interceptador nato para esta função. Era preciso respeitar algumas regras básicas da aerodinâmica.
A densidade do ar a baixa altitude aumenta os esforços impostos à estrutura do avião, necessitando de um projeto mais robusto. A questão da sensibilidade à turbulência próxima do solo requer um desenho de asa cuja razão de aspecto (relação entre a corda média e a envergadura) seja a mais baixa possível. Isto contribui para um melhor conforto da tripulação, que receberá menos solavancos. Também em baixa altitude os motores queimam mais combustível, reduzindo o alcance da aeronave, e o consumo dos motores era algo muito importante a ser considerado. Por último, manobrabilidade em baixa altitude era sinônimo de sobrevivência, seja para desviar de acidentes geográficos ou para escapar de defesas antiaéreas. Definitivamente o Starfighter não atendia a nenhum destes requisitos.
Continua na parte 2