AMX: a concepção do projeto – parte 1

23

Aviação tática na Europa no final da década de 1960

No final da década de 1960 os países membros da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) tinham a certeza de que suas forças convencionais (não nucleares) eram numericamente inferiores às forças do Pacto de Varsóvia. Esta situação era mais delicada no “front” central da Europa, ao longo de toda a fronteira da Alemanha Ocidental. Ali, nos anos seguintes, reuniu-se a maior concentração de tropas e equipamentos militares que a história já registrou.

Segundo estimativas da OTAN, atrás da “cortina de ferro” existiam 1,1 milhão de homens e perto de 17.500 carros de combate, apoiados por 4.000 caças e bombardeiros. Do lado ocidental os números eram mais modestos, somando 900.000 militares, 7.000 carros de combate e 2.000 caças e bombardeiros. Mas no campo aeronáutico a quantidade menor era atenuada pela melhor qualidade dos equipamentos ocidentais.

Mapa da Eupora mostrando os países membros da OTAN e do Pacto de Varsóvia no final da década de 1960 (exceção feita à Espanha). A Alemanha Ocidental representava o “front” central. O flanco Sul era representado pela Itália, Grécia e Turquia e o flanco Norte pela Noruega, Islândia e Dinamarca. (FONTE: Wikipedia)

Naquela época o corpo central da aviação tática de combate dos países do Pacto de Varsóvia era formado por caças do tipo MiG-19, MiG-21, MiG-23, Su-15, Su-17/20/22 e Yak-28. Mas a URSS já trabalhava no desenvolvimento de caças e bombardeiros mais modernos.

O MiG-25, quando foi visto pela primeira vez no ocidente, alarmou os militares da OTAN. O mesmo aconteceu quando as primeiras notícias sobre o Su-19 ‘Fencer’ foram publicadas. Além disso, acreditava-se que a nova geração de caças (futuros MiG-29 e o Su-27), que entraria em atividade no final da década de 1970 e início da década seguinte, seria equivalente ou superior aos caças ocidentais.

A aviação de combate do Pacto de Varsóvia era muito mais numerosa. Somente da família MiG-21, visto aqui sobre Domodyedovo em 1967, foram construídos mais de dez mil exemplares na URSS. (divulgação)

Os EUA já se preparavam para esta ameaça e desenvolviam uma nova família de aeronaves (A-10, F-14, F-15, YF-16 e YF-17). Mas a resposta dos países da Europa Ocidental parecia lenta. Com exceção da França (fora do comando da OTAN desde 1966) e do Reino Unido, praticamente não existiam projetos de caças e bombardeiros.

A França colocava em atividade o Mirage F1 e trabalhava em uma série de outros programas (o ACF e o Mirage G8 por exemplo). No Reino Unido o principal programa era o sofisticado jato de ataque TSR-2, além do desenvolvimento dos caças V/STOL Harrier. Deve-se destacar também a parceria entre ambos, que originou o caça tático de ataque SEPECAT Jaguar.

Outros importantes países da OTAN como Itália, Alemanha, Bélgica e Holanda pouco contribuíam com novos projetos e, desde a criação da aliança militar, eram fartamente abastecidos por equipamentos de origem norte-americana. Um importante passo com o intuito de mudar esta situação foi dado em 1958. Naquele ano a Alemanha Ocidental escolheu o interceptador F-104 Starfighter da Lockheed como base para o seu novo caça. A grande novidade residia no fato de que sua produção ocorreria em solo europeu.

O principal avião de combate da Europa Ocidental na década de 1960 era o F-104G. Nada menos do que 1500 exemplares foram produzidos (incluindo os modelos biplace e de reconhecimento). As missões de ataque ao solo eram apenas uma das várias funções do modelo “G”. Na foto acima aparecem cinco F-104G de ataque naval da Marinflieger (FOTO: Marineflieger).

O modelo foi designado F-104G e uma série de modificações foi feita para torná-lo um caça polivalente, incluindo missões de ataque ao solo com precisão. Bélgica, Holanda e Itália tabém aderiram ao programa F-104G. Mais do que um caça novo, o programa foi importantíssimo para o renascimento da indústria aeronáutica europeia (excluindo França e Reino Unido com já mencionado), permitindo que estes países se capacitassem para a produção de caças modernos de alta performance.

A penetração a baixa altitude

No entanto, o F-104G era uma adaptação de um avião originalmente projetado para ser interceptador. Seu emprego como aeronave de ataque tinha limitações. Uma delas era a penetração a baixa altitude.

Já se sabia desde a década de 1950 que a forma mais segura de penetrar em território hostil era através do voo a baixa altitude. Para os estrategistas do Ocidente, esta tática contribuiria muito para reduzir a superioridade numérica dos soviéticos. Voando baixo e rápido os caças penetrariam profundamente em territótio inimigo, atacando alvos táticos e estratégicos.

Alguns países que utilizavam o Starfighter estavam interessados em substituir o F-104 por um modelo de caça que atendesse a estes requisitos (voar baixo, rápido e de forma segura com alta capacidade de sobrevivência).

Um F-111F voando baixo e rápido. Acreditava-se que esta era a melhor tática para penetrar no espaço aéreo da URSS. Um grupo de países europeus desejava um avião com estas mesmas características. (FOTO: USAF)

Mas voar baixo e rápido exigia um desenho específico de avião. Não se tratava simplesmente de adaptar um interceptador nato para esta função. Era preciso respeitar algumas regras básicas da aerodinâmica.

A densidade do ar a baixa altitude aumenta os esforços impostos à estrutura do avião, necessitando de um projeto mais robusto. A questão da sensibilidade à turbulência próxima do solo requer um desenho de asa cuja razão de aspecto (relação entre a corda média e a envergadura) seja a mais baixa possível. Isto contribui para um melhor conforto da tripulação, que receberá menos solavancos. Também em baixa altitude os motores queimam mais combustível, reduzindo o alcance da aeronave, e o consumo dos motores era algo muito importante a ser considerado. Por último, manobrabilidade em baixa altitude era sinônimo de sobrevivência, seja para desviar de acidentes geográficos ou para escapar de defesas antiaéreas. Definitivamente o Starfighter não atendia a nenhum destes requisitos.

Continua na parte 2

Publicidade

wpDiscuz