O emprego dos ‘Sabres’ e a ‘Lei do Abate’
Os Mi-35M da FAB podem complementar os Super Tucanos e, até mesmo, executar melhor as etapas finais de interceptação de aeronave ilícitas
Por Guilherme Poggio
No Ocidente optou-se pela separação entre helicópteros de ataque e helicópteros de transporte. Eventualmente estes últimos são configurados com armamento coaxial ou de tiro lateral, mas nenhum deles é comparável ao “Hind”.
O Mi-24 foi a resposta soviética à família Huey Cobra norte-americana. No entanto, os soviéticos rejeitaram a ideia de construir um helicóptero de ataque puro e acabaram criando uma nova classe que muitos classificam com “helicóptero de assalto”, sendo capaz de transportar tanto um pequeno grupo de combatentes como dar cobertura ao mesmo através de um fantástico poder de fogo.
Estas características o tornaram único também em uma outra tarefa, o policiamento do espaço aéreo brasileiro contra aeronaves ilícitas. Nenhuma outra aeronave do inventário da FAB (ou de qualquer outra Força) possui as características e os recursos que o AH-2 Sabre (como são chamados os Mi-35) possui para a execução dessa missão.
Desempenho comparado
É óbvio que o desempenho em voo de uma aeronave de asas rotativas é sempre inferior ao desempenho das aeronaves de asas fixas. No entanto, neste caso específico deve-se comparar o desempenho da aeronave com a execução da missão como um todo. Desta forma, ver-se-á ao final deste texto, que a aeronave de asa fixa não só é menos adequada para as etapas finais do processo de interceptação, como as suas características (ou melhor, a ausência de algumas) podem comprometer a operação.
Como era esperado, o Sabre possui alcance e velocidade inferiores ao Super Tucano. A velocidade do Sabre é muito inferior à velocidade do Super Tucano, mas extremamente compatível com a velocidade da grande maioria das aeronaves que fazem voos não autorizados sobre território brasileiro.
Toma-se como exemplo um monomotor tipo Cessna 172, um dos aviões mais produzidos no mundo. Este pequeno avião é largamente empregado em ações ilícitas por uma série de razões incluindo: baixo custo de aquisição (muitas vezes produto de roubo ou furto em fazendas), robustez, fácil pilotagem e manutenção e características STOL (Short Take Offa and Landing).
Foram fabricados mais 43.000 exemplares do Cessna 172 com diferentes características, mas, em geral, eles possuem velocidade máxima inferior a 160 nós (300 km/h) e alcance de menos de 1000 km em altitude ideal. Deve-se frisar que quando empregado em ações ilícitas, a capacidade de carga interna é muitas vezes extrapolada e o voo ocorre em baixas altitudes. A associação dessas duas características reduzem o desempenho geral da aeronave, trazendo-a para o envelope de voo natural do AH-2 Sabre.
Se o Super Tucano pode partir de uma base distante e rapidamente interceptar a aeronave, o Sabre pode estar melhor posicionado (ou “desdobrado” a partir de sua base principal). Basta que o Sabre permaneça posicionado próximo às rotas principais de aeronaves ilícitas, previamente levantas em trabalhos de inteligência policial.
Emprego do armamento para tiros de advertência
Feita a interceptação e os procedimentos iniciais com uma aeronave Super Tucano, o Mi-35 passa a ser uma aeronave muito mais versátil, precisa e adequada para a etapa seguinte, onde há a possibilidade do emprego do armamento. Por contar com um tripulante encarregado do sistemas de armas, o piloto pode permanecer totalmente concentrado no voo, deixando essa tarefa para o artilheiro.
Segundo a “Lei do Abate”, caso o piloto da aeronave suspeita não atenda às medidas de intervenção, a aeronave da FAB será autorizada a passar para o nível 3, que consiste na realização “de tiros de advertência, com munição traçante, lateralmente à aeronave suspeita, de forma visível e sem atingi-la.”
Este detalhamento da Lei foi feito tendo-se em mente uma aeronave de asas fixas dotada de armamento de tiro axial. Com o Sabre e o seu armamento orgânico de dois canhões de 23 milímetros, montados em uma torre móvel frontal, os tiros de advertência podem ser dados não necessariamente pela lateral como também abaixo e à frente da aeronave interceptada.
Esta parte da Lei pode e deve ser modificada, pois daria à aeronave da FAB uma maior liberdade de movimento e posicionamento, sem afetar o propósito maior da legislação.
Uma aeronave de asa fixa que emprega metralhadoras que disparam no sentido axial, como é o caso dos Super Tucanos, existe a necessidade da mesma manobrar para adquirir um melhor posicionamento e poder efetuar os disparos. Esse tipo de manobra pode “roubar” um tempo precioso, dando uma chance maior à aeronave interceptada fugir para o espaço aéreo vizinho.
O tiro de destruição
Ainda segundo a “Lei do Abate”, o tiro de destruição consiste na realização de disparo de tiros, feitos pela aeronave de interceptação, com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento do voo da aeronave transgressora. Ou seja, o tiro de destruição não é exatamente aquilo que se imagina dele, pois a aeronave não deve ser destruída, como alguns podem acreditar.
Neste ponto o Sabre leva ampla vantagem. Tanto o Super Tucano como o Sabre possuem armamento orgânico com calibres de uso militar (.50″ e 23 mm respectivamente) que, independentemente do local do impacto, farão um estrago enorme na aeronave considerada hostil, podendo derrubar a mesma ou torná-la incontrolável.
Mas o Sabre, por ser um helicóptero de assalto, pode transportar uma equipe dotada de armas de mão na sua cabina principal. O emprego do armamento de mão, além de possuir um poder de fogo muito menor, também causará avarias de pequena monta na aeronave considerada hostil, sendo muito mais adequado para o propósito de provocar danos e impedir o prosseguimento do voo.
Toda a família “Hind”, desde os modelos mais antigos até os mais recentes, permite que ocupantes da cabina principal façam uso do seu armamento, mesmo com a aeronave em voo. Isto faz com que o “tiro de destruição” torne-se um “tiro de precisão”, atingindo todos os objetivos do mesmo.
Em solo
O problema é que, por diversas vezes, este hiato entre o pouso da aeronave hostil e a chagada de uma equipe de terra permitiu que o piloto ou qualquer outro ocupante da aeronave perseguida se evadisse.
Com o Sabre o pouso da aeronave hostil é apenas o começo da história. Por ser um helicóptero, o mesmo poderá pousar em qualquer local próximo à aeronave hostil. Mesmo que ela tenha feito um pouso forçado em local desprovido de condições seguras para o pouso do helicóptero (como por exemplo em uma mata fechada ou no rio), o Sabre poderá, através de técnicas verticais tipo ‘Fast-roping’ descer uma equipe em solo para deter o piloto e fazer as primeiras averiguações do conteúdo transportado pela aeronave. Ainda no ar, o Sabre pode fornecer cobertura aérea para a equipe de terra, além de documentar toda a ação e manter comunicação constante com a base ou o centro de operações.
Comentários Finais
Definitivamente o emprego do Mi-35 em ações de policiamento do espaço aéreo brasileiro pode vir a ser uma realidade e tornar-se mais uma das várias atividades que esses versáteis helicópteros podem executar. O Sabre será uma excelente ferramenta no fechamento das fronteiras brasileiras.
O seu papel poderá complementar a ação dos Super Tucanos , deixando para estes as ações iniciais de acompanhamento e interceptação. Já nas etapas finais do processo o Sabre pode executar melhor a missão conforme demonstrado acima.
Deve-se lembrar que o primeiro (e até o momento único) esquadrão a empregar os Sabres (2º/8º GAV – Esquadrão Poti) dividirá a mesma base com os Super Tucanos do 2º/3º GAV (Esquadrão Grifo). Portanto, o estabelecimento de uma relação produtiva entre as duas unidades no estabelecimento de novas doutrinas conjuntas ainda está por vir e muitas lições serão tiradas.
FOTOS: AICG, Rondoniaovivo, FAB