Jean Marc Merialdo

Representante da Rafale International no Brasil

POR QUE O RAFALE?

A necessidade operacional de uma nova aeronave de caça de primeira linha para a Força Aérea foi identificada há quase duas décadas. Desde então, seus requisitos operacionais foram identificados (e têm sido constantemente atualizados) e foi buscada sua aquisição.

As dificuldades encontradas para a efetivação da compra levaram à adoção de medidas alternativas para manter um mínimo de capacidade operacional para a FAB. Entre essas medidas estão a modernização das aeronaves F-5 e a aquisição, como solução interina, de algumas aeronaves Mirage 2000.

O Programa F-X2 foi concebido para prover, finalmente, as aeronaves de caça para a FAB, com uma expectativa de vida operacional de até 40 anos. Os requisitos estabelecidos deram origem a um pedido de oferta enviado para três empresas, que apresentaram suas soluções.

O ambiente estratégico na América do Sul e a crescente importância do Brasil no cenário mundial, no entanto, fizeram com que o citado programa extrapolasse seus objetivos iniciais, tornando-se um assunto de relevância nacional.

Requisitos como a transferência de tecnologias críticas, a necessidade de autonomia/independência para implementar atualizações da capacidade operacional da aeronave, assim como a necessidade de dar suporte à Indústria de Defesa ganharam destaque adicional, sendo considerados entre os objetivos citados na Estratégia Nacional de Defesa (END), aprovada após a emissão do pedido de oferta pela FAB.

O RAFALE PARA A FAB

Para tornar possível a realização de um processo de seleção, os requisitos técnicos, logísticos e industriais do projeto foram mantidos em um nível bastante restrito, de modo que as exigências da FAB não eliminassem, a priori, a possibilidade de escolher qualquer um dos concorrentes.

Como consequência, é natural que a escolha venha a contemplar a solução que excede, de forma mais completa, os requisitos estabelecidos.

CAPACIDADE OPERACIONAL

O RAFALE supera significativamente o concorrente de mesma classe quanto ao desempenho operacional. Tem maior raio de ação em todos os perfis críticos, mais capacidade de transportar e empregar armamento em longo alcance, assim como melhor capacidade de manobra e de interceptação a partir de alerta no solo. Assim, ele tem melhor capacidade de cumprir, a partir de bases no centro do Brasil, as novas missões de vigilância e proteção da Amazônia e da área do pré-sal, decorrentes da nova Estratégia Nacional de Defesa.

Concebido a partir da ampla experiência concreta da Força Aérea Francesa em operações de guerra, com requisitos exigentes, e já testado em combate, ele proporcionará à FAB uma nova capacidade de projeção, com economia de força e integração eficiente a futuras coalizões, caso o Brasil venha a participar de operações multinacionais.

A comparação com o concorrente menor não é adequada. A motorização deste último, por exemplo, fornece apenas a metade da potência instalada no concorrente norte-americano (apenas um dos dois motores).

Alguns analistas argumentam que tal deficiência de um avião menor poderia ser compensada pela utilização de um maior número de aeronaves. Tal consideração não é sustentável pois, se por um lado pode-se compensar a limitação de carga bélica disponível, por outro, usar mais aeronaves não irá aumentar o alcance destas, melhorar sua capacidade de combate ou melhorar sua resposta à necessidade de realizar interceptação a partir de alerta no solo.

A EVOLUÇÃO DO RAFALE

O projeto RAFALE foi concebido para prover uma aeronave “omnirole”, para ser utilizada como a única aeronave de caça existente nas forças armadas de um país (força aérea e aviação naval). Da mesma maneira, está programada a sua atualização frequente para manter a superioridade tecnológica requerida durante todo o ciclo de vida. Por ser um projeto novo, ele possui ainda 100% desta capacidade disponível, ao contrário de aviões que são decorrentes de projetos derivados de modelos já existentes.

Essa capacidade de constante atualização será transferida para a indústria brasileira, que poderá optar por fazê-la autonomamente ou, para repartir custos recorrentes, em parcerias com outros operadores da aeronave, como já foi oficialmente oferecido pela Força Aérea Francesa.

De fato, o consórcio RAFALE sempre conseguiu, no passado, exportar com sucesso todas suas aeronaves. Está agora, como no Brasil, respondendo a muitos pedidos de ofertas e manifestações de interesse por parte de países tais como Suíça, Índia (Força Aérea), Índia (Marinha), Grécia, EAU, Oman, Kuwait, Malásia e outros. Temos então a certeza de que o RAFALE, recém entrado em serviço com as Forças Armadas da França, terá um sucesso comercial internacional comparável ao do seu antecessor.

O SUPORTE LOGÍSTICO PARA O F-X2

A introdução do F-X2 comportará o início de uma nova era quanto aos processos logísticos na FAB, tal como aconteceu quando do início da operação de aeronaves a jato, da chegada dos supersônicos e da implantação da geração dos aviônicos (A-1).

Os custos logísticos para operação de aeronaves de combate são crescentes a cada nova geração. Os países que conseguiram manter uma evolução adequada de sua capacidade operacional puderam associar a implantação de novos sistemas a uma redução da quantidade de vetores.

O Brasil, por outro lado, devido à grande defasagem da capacidade operacional em relação à importância do País, necessitará crescer tanto em quantidade como em qualidade.

Sendo assim, não se imagina para a FAB a operação de um vetor do nível tecnológico do F-X2 baseada apenas nos parâmetros orçamentários atuais. Isto inviabilizaria o pretendido salto de eficiência e capacitação desejado com o projeto e necessário, no contexto estratégico do País.

A opção de investimento de recursos no aumento da capacidade de defesa externa já está sendo posta em prática, com as recentes decisões tomadas quanto ao reequipamento das forças, ao investimento em tecnologia de defesa e ao aumento considerável de efetivos militares.

A FAB será capaz de operar adequadamente o Rafale.

RAFALE – UMA SOLUÇÃO SEM RISCOS

1. RISCO DE PERENIDADE

Comprando-se um equipamento para 30 a 40 anos, a perenidade do fornecedor é fundamental. As três empresas do grupo RAFALE têm seu futuro garantido por seu posicionamento nos mercados e pelo alto nível tecnológico de seus produtos. A DASSAULT acaba de comprar 26% das ações da THALES e integra, segundo o analista aeronáutico do Teal Group, Richard Aboulafia, o seleto grupo dos 10 maiores construtores aeronáuticos (“the top ten companies”)1, junto com a Embraer, com a qual ela atua em gamas de produtos extremamente complementares, tanto na área de defesa quanto na parte de aeronaves executivas.

No que diz respeito aos programas, o concorrente americano já tem seu substituto definido e deverá encerrar sua produção do modelo oferecido em meados da próxima década. O outro concorrente europeu ainda está no estágio de “demonstrador de conceito” e não tem nenhum contrato estabelecido para completar seu desenvolvimento, sua industrialização ou produção, nem mesmo para a força aérea do país de origem.

O RAFALE está operacional nas forças armadas da França (Força Aérea e Aviação Naval) e foi concebido para ser a única aeronave de caça francesa. Para cumprir este programa, já tem produção prevista até 2022, sem contar os contratos de exportação. SEM RISCO.

2. RISCO DE EMBARGO TECNOLÓGICO

Existem experiências recentes de embargos para o fornecimento de tecnologias críticas e equipamentos de última geração requeridos para os projetos de modernização e fabricação de aeronaves militares brasileiras, por parte do Governo norte-americano. O outro concorrente europeu depende significativamente de tecnologias de terceiros países, inclusive dos EUA.

A tecnologia do RAFALE (100 % francesa) tem garantida sua transferência irrestrita para o Brasil quanto à aeronave, aos motores, aos sistemas aviônicos e aos armamentos, uma garantia reforçada pela parceria estratégica e pelo número de projetos de cooperação já iniciados. SEM RISCO.

3. RISCO DAS ATIVIDADES DE DESENVOLVIMENTO

Tradicionalmente, as atividades de desenvolvimento comportam risco de aumento de custos e prazos que superam em 100% os planejamentos iniciais. A aeronave oferecida pelo outro concorrente europeu está no estágio inicial de desenvolvimento, sendo necessário construir e ensaiar protótipos, industrializar a solução e iniciar as atividades de produção. Esta condição se reflete, também, na área logística, em virtude da falta dos dados de campo necessários para apreciar a validade da oferta.

O concorrente norte-americano já tem uma linha de produção estabilizada, mas os riscos ainda existem para as soluções que terão que ser desenvolvidas após o encerramento da produção, no ciclo de vida da aeronave.

O RAFALE está operacional e já foi testado em combate. As poucas modificações necessárias para atender aos requisitos brasileiros são adequações de capacidades já existentes na aeronave. Tratam-se de atualizações da capacidade operacional durante o ciclo de vida da aeronave, que está apenas iniciando. SEM RISCO.

4. RISCO DE DESENVOLVIMENTO – UM EXEMPLO

O desenvolvimento e a qualificação de um radar em aeronave de caça é uma atividade extremamente complexa. A aeronave Typhoon, por exemplo, ainda não tem definida sua solução de antena de varredura eletrônica ativa (AESA), enquanto o outro concorrente europeu do FX-2 decidiu sua concepção de radar há menos de um ano, ou seja, encontra-se em estágio inicial de projeto. Como referência, o desenvolvimento do radar similar norte-americano levou cerca de seis anos.

O RAFALE já tem seu radar PESA operacional há vários anos e tem a solução de antena AESA em fase final de desenvolvimento dos aplicativos de utilização (software), já tendo sido iniciada produção seriada do hardware. RISCO DESPREZÍVEL.

O RAFALE PARA O BRASIL

Como foi citado anteriormente, outros requisitos que não os técnicos, logísticos e industriais da FAB ganharam extraordinária relevância com a definição dos objetivos expressos na Estratégia Nacional de Defesa – END, aprovada após o lançamento do processo de seleção do F-X2, e com a crescente participação do Brasil no cenário diplomático regional e internacional.

A PARCERIA ESTRATÉGICA BRASIL – FRANÇA

Em consequência do alinhamento de posições estratégicas no cenário internacional e interesses comuns na área de Defesa, Brasil e França estabeleceram acordo de parceria estratégica.

Na área de Defesa, os primeiros resultados já se fizeram sentir no setor de propulsão nuclear para submarinos, no reequipamento de meios navais e de transporte aéreo militar (helicópteros para as três Forças).

A parceria estabelecida também dá amparo a uma ampla transferência de tecnologias críticas na área de Defesa, bem como a programas de cooperação entre as forças armadas dos dois Países.

A CAPACITAÇÃO INDUSTRIAL

É constantemente reafirmada a importância atribuída à capacitação industrial, que deve acompanhar todos os processos de aquisição de meios para as forças armadas. As “compras de prateleira” de sistemas fechados e sem transferência de tecnologia não são mais consideradas aceitáveis.

1. TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIAS CRÍTICAS

Os requisitos de transferência de tecnologia comportam hoje um viés qualitativo importante. Interessam sobremaneira as tecnologias críticas que permitam ao País aplicar soluções no “estado da arte” e desenvolver autonomamente, conforme a conveniência, seus sistemas de defesa.

A França possui e domina todas as tecnologias envolvidas no desenvolvimento do RAFALE e, por decisão já oficializada pelo governo da França e pelas empresas do consórcio RAFALE, a transferência destas tecnologias associadas ao projeto, incluindo as críticas, já está ofertada e programada.

Com a oferta do RAFALE, portanto, o Brasil adquire conhecimento, capacitação e domínio destas tecnologias críticas para serem utilizados tanto nas adequações da própria aeronave, quanto no desenvolvimento de novos produtos tecnológicos de interesse do País.

2. CONTRAPARTIDAS (“OFFSET”)

As contrapartidas comerciais, de transferência de conhecimento e de carga de trabalho para o Brasil ganham importância e peso na avaliação estratégica. Esses requisitos de “offset”, por concepção, não podem acarretar aumento de preço para o projeto de aquisição, devendo o eventual investimento necessário para a absorção dessa transferência ser assumido pelo beneficiário da tecnologia ou pelo ofertante.

Os compromissos assumidos nos projetos de offset do RAFALE alcançam o montante de 160% do contrato comercial, devido não somente ao alto valor das tecnologias críticas envolvidas, como também ao grande número de projetos firmados com dezenas de empresas brasileiras.

As parcerias fechadas com entidades de ensino e Universidades garantem um repasse simultâneo de conhecimentos de alto nível e a capacitação de novos engenheiros e cientistas brasileiros nas tecnologias mais avançadas.

CARGA DE TRABALHO E GERAÇÃO DE EMPREGOS

Embora existam necessidades imediatas, na indústria aeroespacial brasileira, quanto ao recebimento de carga de trabalho que possa gerar empregos, é sabido que o fator que garante o sucesso empresarial não é apenas a possibilidade de estabelecer contrato para fornecimento de materiais e serviços. Deve-se considerar a importância da absorção de tecnologias críticas para os processos produtivos. Essas tecnologias têm ligação direta com a competitividade futura da empresa no seu ramo de atividade, a qual vai garantir o sucesso comercial duradouro, a crescente oferta de empregos qualificados e o alcance das metas governamentais quanto ao crescimento da capacidade da indústria aeroespacial.

O Projeto RAFALE prevê a realização, no Brasil, pela indústria nacional, da adequação da aeronave aos requisitos específicos da FAB (desenvolvimento, ensaios e produção). Também está programado o estabelecimento de uma linha de montagem do Rafale e a fabricação, no Brasil, de vários equipamentos, partes, sistemas e subsistemas. Outros projetos contemplam a participação de empresas brasileiras na fabricação das aeronaves Falcon, assim como a integração de elementos de concepção e fabricação brasileira a outros produtos aeronáuticos das empresas francesas.

Além disso, um investimento vai permitir a geração, no Brasil, de uma capacidade de manutenção de motores de aviões supersônicos, que ampliará a atual capacidade nacional de manutenção de motores a jato.

O ganho mais significativo, em termos de carga de trabalho, não estará, no entanto, limitado ao contrato de aquisição do F-X2. Este resultado virá, de forma perene, em decorrência da absorção das tecnologias críticas que serão transferidas para a indústria nacional, que irão gerar novos projetos e, portanto, novos empregos.

UM CASO ESPECIAL – O KC-390

O principal resultado direto associado ao programa RAFALE está na inédita participação francesa no projeto KC-390 da FAB, desenvolvido pela EMBRAER.

Em decorrência da parceria estratégica firmada entre os dois Países, o Governo Francês foi o único entre os três concorrentes que se comprometeu, por carta assinada pelo Presidente da República, a adquirir no mínimo dez aeronaves KC-390 para atender suas necessidades operacionais, bem como atestou interesse em participar, de modo significativo, nas atividades de desenvolvimento da aeronave.

Para tanto, já está decidido iniciar as atividades francesas no projeto KC-390 antes mesmo da assinatura do contrato do Projeto F-X2, com a transferência de tecnologias críticas e participação no desenvolvimento das soluções: para o sistema digital de controle de voo (DFCS), para a validação e certificação desse sistema e para o projeto e fabricação de superfícies primárias em material composto (asas, estabilizadores horizontal e vertical), entre outras tecnologias de ponta.

A DECISÃO SOBRE O F-X2

Selecionando o RAFALE, o Brasil irá adquirir uma capacidade operacional impar, compatível com as exigências de sua nova Estratégia Nacional de Defesa e de seu novo posicionamento no cenário internacional.

A Força Aérea Brasileira desenvolverá o potencial operacional mais adequado ao leque de suas missões e às dimensões e características do território brasileiro, com a melhor relação custo benefício em longo prazo.

A indústria brasileira ampliará sua capacitação tecnológica e sua carga de produção, passando a dominar tecnologias críticas que impulsionarão futuros desenvolvimentos nacionais e contribuirão, ainda, a colocá-la num patamar compatível com o novo posicionamento internacional do País.

Com o programa RAFALE, o Brasil completará, no âmbito de sua parceria estratégica com a França, o conjunto de meios necessários para assumir sua posição no concerto das nações.

Pelos motivos expostos nesta análise, justifica-se a decisão operacional e estratégica de adotar a solução proposta pelo consórcio RAFALE, apoiada integralmente pelo Governo da França.

Esta matéria foi divulgada pela Dassault Aviation. As opiniões nela contidas são de exclusiva responsabilidade do autor.

FONTE: Revista Força Aérea No. 61 (dez 2009-jan 2010) / COLABOROU: Justin Case

SAIBA MAIS:

wpDiscuz