Plano de lançar foguete enfrenta atraso

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Dois projetos nacionais não devem virar realidade no governo Lula, contrariando promessa do presidente após desastre

O Programa Espacial Brasileiro entrou em seu último ano sob o governo Lula com dificuldades para cumprir uma promessa feita pelo presidente: colocar um foguete em órbita.

Os dois projetos que podem conseguir isso provavelmente só terão voos de qualificação após o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, e alguns especialistas dizem que as duas empreitadas acabarão competindo uma com a outra.

Quando o VLS (Veículo Lançador de Satélites) explodiu em 2003, matando 21 pessoas no CLA (Centro de Lançamento de Alcântara), no Maranhão, Lula afirmou que ajudaria o projeto da Aeronáutica a se recuperar a tempo de lançar o foguete no ano seguinte. Não foi tão rápido. O VLS – que pretende colocar satélites de até 400 kg em órbita baixa (cerca de 800 km)- foi retomado, mas só terá um primeiro lançamento experimental em 2011.

Consórcio

O outro foguete a ser lançado do Maranhão é o Cyclone-4, projetado pela binacional ACS (Alcântara Cyclone Space), criada pelos governos de Brasil e Ucrânia. O projeto -capaz de levar 1.600 kg a órbitas de 35 mil km de altitude- mantém o cronograma com lançamento em 2010, mas está com dificuldades de financiamento.

As empresas ucranianas do consórcio que constrói o veículo reconheceram que precisam de US$ 200 milhões para finalizá-lo. Até o Natal, não anunciaram ter conseguido o dinheiro.

Especialistas ouvidos pela Folha que não estão envolvidos nos projetos, porém, afirmam que os problemas de curto prazo são os menos graves.

“Não será possível o país manter o foco em veículos com a capacidade do VLS, pois não existe nicho [de mercado] de satélites de pequeno porte”, afirma José Nivaldo Hinckel, engenheiro do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) especialista em satélites. “Se o Brasil quiser contar com um programa autônomo, ele vai ter de fazer um veículo que competirá com o Cyclone-4.”

A AEB (Agência Espacial Brasileira), encarregada de dar unidade às ações fragmentados que hoje compõem o programa espacial brasileiro, rejeita essa visão. O presidente da agência, Carlos Ganem, porém, já escreveu, em um artigo para o jornal “Correio Braziliense”, que o uso do Cyclone-4 em Alcântara é “uma solução intermediária”.

Ganem, contudo, disse à Folha que se tinha se expressado mal. “Não estudei semiologia, e o português é uma língua rica”, disse. “Falei intermediário porque temos com eles [ucranianos] uma relação de grande expectativa e, até que ela se efetive, será intermediária.”

Ainda que o discurso oficial da AEB e da ACS seja de cordialidade, a relação entre as duas entidades já mostrou sinais de desgaste.
Em agosto, uma reunião com autoridades do programa espacial acabou em briga, após uma discussão entre Roberto Amaral, diretor da ACS, e o major-brigadeiro Antonio Hugo Chaves, que representava a AEB no encontro.

Uma versão do caso, publicada pelo jornal “O Globo”, descrevia cena na qual Amaral teria esmurrado a mesa e arremessado um copo na direção de Chaves. Em carta pública, o diretor da ACS negou o ataque.

Amaral, porém, reconhece que houve discussão sobre o cronograma de obras em Alcântara. A Folha apurou que a Aeronáutica estava resistindo à pressão para empreender recursos na reforma de uma pista de pouso em Alcântara, obra que é essencial para a ACS.

O presidente da AEB não revela o teor do encontro que acabou em discussão, mas afastou Chaves de seu cargo na agência. Ganem diz que “a Aeronáutica tinha se comprometido a realizar essa obra, mas só pôde terminá-la depois de uma incisiva cobrança” de sua parte.

Hoje, enquanto Brasil e Ucrânia pretendem investir US$ 485 milhões para capitalizar a ACS, o projeto VLS, exclusivamente brasileiro, tenta avançar com um orçamento de cerca de R$ 35 milhões/ano.

Apesar da diferença, o coronel Francisco Pantoja, diretor do IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço), que desenvolve o VLS, evita críticas. “Com o que recebemos, dá para trabalhar dentro do cronograma.”

Justificativas

O volume maior de verba destinado ao Cyclone-4 se justifica, em parte, por se tratar de um foguete de porte mais competitivo no mercado de lançamento. Mas a política adotada tem críticos. “A justificativa para o desenvolvimento de um veículo [foguete lançador] próprio é de caráter estratégico, o que exclui algo produzido por uma parceria oportunista e sujeita a restrições”, diz Hinckel.

Outro engenheiro do setor aeroespacial, que conversou com a Folha sob a condição de anonimato, disse ter dúvidas sobre a viabilidade da ACS.

“É complicado pensar um projeto de longo prazo desses sem apoio forte dos militares”, diz. “Mesmo que você tenha todo o apoio do governo, o presidente alguma hora vai embora, mas os militares ficam.

“Transferência de tecnologia é para empresa, não para país”

Um dos benefícios que a ACS promete trazer ao Brasil é um pouco do conhecimento que os ucranianos acumularam ao longo das décadas, principalmente no período soviético, em que lançaram foguetes da família Cyclone. “É óbvio que haverá transferência de tecnologia”, diz Roberto Amaral, diretor da metade brasileira da empresa.

Stanislav Konyukhov, diretor-geral da Yuzhnoye (empresa ucraniana que projetou o foguete Cyclone-4 para a binacional) ecoa seu colega brasileiro, mas afirma que os termos em que esse conhecimento será repassado ainda não foram totalmente definidos.

“O que diz respeito a nosso contrato não é com o Brasil. Temos um contrato com a empresa binacional ACS”, afirma Konyukhov. “Ela terá direito de acesso a tudo o que ela encomendar de nós -documentação, patentes, etc.-, mas não temos como saber como o Brasil vai se relacionar com a ACS para ter acesso a essas informações“, pondera ele.

Mesmo com essa transferência de tecnologia, porém, Konyukhov diz duvidar que um dia os brasileiros adquiram capacidade técnica para competir com os ucranianos com um foguete próprio, mesmo que o programa VLS avance para foguetes de escala maior.

“Nós não vamos ser concorrentes. Isso porque, para chegar a um foguete da classe do Cyclone 4, o Brasil ainda precisa de pelo menos uns 15 ou 20 anos, mas durante esse tempo a gente também não vai ficar parado, vamos continuar progredindo”, afirma ele.

ACS aposta em lançamento “barateiro”

Com posição privilegiada para sua plataforma de lançamentos, a ACS espera ganhar espaço no mercado de lançamento de satélites ao baratear o custo das missões.

Alcântara está só 2,2 ao sul do equador, e a empresa prevê que isso permitirá gastar 30% menos combustível que a média de seus concorrentes para colocar um satélite em órbita (a rotação terrestre na região dá um “empurrãozinho” no foguete).

Como o Cyclone-4 não é dos foguetes mais poderosos, porém, críticos afirmam que dificilmente ele será um grande atrativo. Segundo José Nivaldo Hinckel, do Inpe, a maior parte dos satélites de comunicação privados têm hoje pesos acima de 3.000 kg e ficam em órbita geoestacionária -ficam “parados” sobre um ponto específico da Terra, a altitudes da ordem de 20 mil km. O Cyclone-4, porém, só consegue levar 1.600 kg a essa faixa.

Segundo o pesquisador do Inpe, a maioria dos satélites de órbita baixa pertence a programas estatais, que não seguem critérios de mercado para escolher seus lançadores. Governos da Europa, Rússia, China e EUA nunca deixam de usar seus próprios foguetes apenas por questão de custo. E países como a Argentina, que não tem ainda lançador próprio, possuem convênio com os EUA.

A ACS, porém, afirma que a criação da empresa binacional está respaldada num estudo detalhado sobre o mercado de satélites, documento que só não foi amplamente divulgado por motivos de estratégia comercial.
Carlos Ganem, presidente da AEB, diz que satélites de pequeno porte são a “nova onda mundial”. Segundo ele, a empresa francesa Ariane, que deve ser a principal concorrente da ACS, tem hoje dificuldade para usar seu foguete de grande porte, projetado para levar até 7.000 kg.

“A Ariane tem problemas hoje para juntar cargas úteis que façam a carga do Ariane-5 ser economicamente racional”, disse.

FONTE: Folha de São Paulo

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