Durante a divulgação das negociações entre Brasil e França para a venda de caças Rafale, uma das informações que “vazou” foi a eventual aquisição de dez aeronaves de transporte KC-390 pela França.

O KC-390 ainda é um projeto que não saiu da prancheta, mas conta com forte apoio do Comando da Aeronáutica. Inclusive, este mês a Embraer deverá receber a primeira parcela dos recursos da FAB para o desenvolvimento do programa.

A FAB já se comprometeu a adquirir entre 22 e 30 aeronaves. Mas esta quantidade ainda não é suficiente para que o programa fique no “azul”. Por este motivo, tanto a FAB como a Embraer procuram parceiros ou compradores externos. Dentre as hipóteses levantadas até o momento, países como Chile e Colômbia foram citados. Uma eventual “ajuda” da França seria muito bem vinda. Inclusive, alguns veículos de comunicação já se adiantaram e publicaram o interesse francês não apenas na aquisição de alguns aviões, mas também no desenvolvimento do programa.

Mas será que as Forças Armadas da França realmente necessitam desta aeronave? A indústria aeroespacial francesa tem interesse em participar do projeto? São perguntas complexas e que exigem análises mais profundas do que o exposto aqui. Mas vamos aos fatos.

A aviação de transporte da Força Aérea Francesa

Em relação à Força Aérea Francesa o grosso do transporte tático é executado pelos C-160 Transall e é exatamente este modelo que necessita de um substituto urgente. O Transall é um projeto franco-alemão que surgiu no final da década de 1950. Sua configuração é semelhante ao Alenia G 222, mas com uma capacidade de carga ligeiramente maior (16 toneladas) e um alcance máximo de 1850 km.


FOTO: Flickr

A França adquiriu 50 exemplares entre 1967 e 1972. A linha de montagem foi reaberta em 1981 somente para atender às necessidades francesas e outros 29 aviões foram fabricados. Aproximadamente 65 aeronaves deste modelo continuam em serviço em quatro esquadrões diferentes (um deles inclusive atua como reabastecimento aéreo).

Além dos velhos Transall, a Força Aérea Francesa possui cerca de 14 C-130H Hecules, com capacidade de carga maior que os C-160 (capacidade em torno de 20 toneladas) e vinte CN235 (aproximadamente 6 toneladas de carga paga).

O substituto

O substituto natural dos C-160 é o Airbus A400M. Embora seja uma aeronave de outra categoria (37 toneladas de carga paga), ela atende aos novos requisitos da Força Aérea Francesa. Na visão dos franceses, as missões táticas mais curtas podem ser perfeitamente cumpridas por aviões com menor capacidade, como é o caso do CN 235. Já as missões táticas que exigem um raio de ação maior e capacidade de carga elevada serão cumpridas pelos A400M. Este, inclusive, terá capacidade de executar missões estratégicas, uma vez que o raio de ação de 6.000 km (com 20 toneladas de carga paga) permite que o mesmo faça voos intercontinentais, atingindo o norte dos EUA ou o Afeganistão a partir da base de Orléans (sede atual de um esquadrão de C-130 e dois esquadrões de C-160).


IMAGEM: Airbus

Ao que tudo indica, o futuro do “Commandement de la Force Aérienne de Projection” (CFAP), unidade da Força Aérea Francesa responsável pelo setor de transporte militar, será a operação de somente dois modelos de avião: o CN 235 e o A400M.

Onde se encaixa o KC-390?

Esta é uma pergunta interessante. Analisando o nicho de mercado do projeto da Embraer, o mesmo ocupará a faixa de aeronaves militares de transporte tático entre 5 e 20 toneladas. Nesta faixa encontramos o CN 235, o C-160 e o C-130, todos em atividade na Força Aérea Francesa.

Os CN 235 são de construção recente e permanecerão ainda por muitos anos em atividade. É possível até que outros exemplares sejam encomendados. Como era desejo inicial da França, os C-160 serão substituídos num primeiro momento e os C-130 mais futuramente por uma aeronave de maior capacidade, o A400M.

Como visto acima, a França terá uma aeronave com capacidade para até seis toneladas (o CN 235) e outra para até 37 toneladas (o A400M). Faltaria uma aeronave intermediária entre estes dois extremos e esta aeronave poderia ser o KC-390. A questão principal é saber se uma aeronave intermediária seria realmente necessária na visão dos estrategistas militares franceses. A relação custo/benefício seria favorável para a operação de um terceiro avião de transporte (no caso o KC-390)?

E a indústria francesa?

Realmente existe um mercado para aeronaves de transporte tático entre 5 e 20 toneladas. É exatamente este mercado que a Embraer está de olho. Segundo dados levantados pela própria empresa, existem aproximadamente 700 aeronaves que deverão ser substituídas nos próximos anos. Um mercado nada desprezível. Acontece que outras companhias também já fizeram estes mesmos cálculos e a França tem conhecimento disso. Porém, a indústria europeia em geral (com exceção do leste europeu) não possui um produto novo e moderno para atender este mercado (o C-27J é uma evolução do G.222 e não um novo conceito).

A associação da indústria aeroespacial francesa com a Embraer para o desenvolvimento do KC-390 possui possibilidades concretas. O KC-390 já possui um comprador (o Brasil) e um mercado promissor. Portanto, a aquisição do KC-390 pela Força Aérea Francesa, mesmo que os estrategistas franceses não julguem necessário, poderia atuar como um novo “garoto propaganda” para o projeto da Embraer e gerar lucros para as empresas francesas que participarem do programa.

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