É lamentável que atuação de autoridades políticas suscite desconfianças a respeito da compra de equipamentos militares

NÃO DEIXA DE haver uma dose de ironia histórica no fato de um grupo de oito parlamentares ter visitado Paris, durante as comemorações da Queda da Bastilha, às expensas de uma empresa que participa de concorrência para fornecer aviões de combate à Força Aérea Brasileira. Questionado sobre o episódio, que parece ferir a boa norma republicana, o presidente da Câmara, Michel Temer, admitiu o jogo de interesses, mas quis tranquilizar a nação: “Houve um lobby muito saudável e elegante”, explicou.

Os viajantes não são os responsáveis diretos pela escolha, embora Temer participe do Conselho de Defesa Nacional, organismo que deverá referendar a decisão. Os parlamentares entretanto desempenham papel importante na aprovação do Orçamento militar pelo Congresso. A compra dos 36 caças é estimada em pelo menos R$ 4 bilhões. O valor poderá chegar ao dobro, a depender das especificações finais.

Não há dúvida de que a decisão terá de subordinar-se a critérios técnicos, e a FAB dá sinais de tratar o assunto com o devido cuidado. Mas num quadro em que se equiparem as vantagens e desvantagens militares e de transferência de tecnologia das diversas propostas, como acredita-se que possa ser o caso, ganha peso o ingrediente político.

Nesse terreno não são apenas os parlamentares que merecem críticas. É também equivocada a atuação do ministro da Defesa, Nelson Jobim, ao manifestar indiretamente preferência pelo caça francês, fabricado pela Dassault, que concorre com a norte-americana Boeing e a sueca Saab.

Como se sabe, Jobim foi o artífice de um acordo com a França para a compra de helicópteros e submarinos, com tecnologia para uma versão movida a energia nuclear, numa operação que mobilizará recursos da ordem de R$ 20 bilhões ao longo de anos.

Ao sinalizar que a inclinação do governo é pela proposta da França, o ministro suscitou indagações sobre o grau de elegância dos lobbies franceses junto ao Executivo brasileiro. Aspectos controversos do acordo já firmado, como a real necessidade da construção de um novo estaleiro para fabricar os submarinos e os custos mais baixos de modelos convencionais alemães, ficaram envolvidos em atmosfera de dúvidas e desconfianças.

Além disso, o ministro abriu a porta para uma situação embaraçosa com a cúpula da Aeronáutica, caso ela conclua ser mais vantajoso optar pelo avião norte-americano ou pelo sueco.

Acordos militares são, em geral, cercados de sigilo, o que favorece especulações. É lamentável, no caso, que o comportamento das autoridades políticas brasileiras, em vez de contribuir para tranquilizar a opinião pública, embase temores sobre as condições que cercam negociações e escolhas tão importantes.

FONTE: Folha de São Paulo

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