Como os acidentes aéreos nos lembram de que a segurança de voo está em primeiro lugar

Ao realizar meu segundo salto de paraquedas na modalidade AFF (Acelerated Free Fall), aprendi que os “deuses” costumam cobrar um preço aos homens que se atrevem a invadir seu espaço nos céus. E esse preço vem na forma de algum machucado qualquer, arranhões, luxações, fraturas ou até a morte. Não é à toa que, mesmo sabendo que seu paraquedas tem 11 dispositivos de segurança e que existe um paraquedas reserva em caso de falha no principal, você tem que assinar um termo no qual assume total responsabilidade em caso de morte acidental. Voar é fascinante, mas é inerentemente arriscado.

A segurança do voo, assim como a do paraquedismo, depende da qualidade do equipamento usado, do treinamento e  qualificação do pessoal que faz a manutenção deste equipamento e da experiência dos profissionais que o operam. Se alguma parte dessa corrente falha, os “deuses” aparecem para cobrar seu preço.

Em mais um acidente aéreo que cubro (como o jatinho dos “Mamonas Assassinas”, a queda do Fokker-100 da TAM em 1997, em São Paulo e os dois últimos grandes acidentes aéreos no Brasil, entre outros), observo que o mesmo erro se repete: os acidentes aeronáuticos são tratados como se fossem impossíveis de acontecer, como se a tecnologia tivesse superado de forma definitiva a natureza arriscada de voar.

Talvez essa visão venha do fato da aviação comercial (e a militar) ter se tornado, nos últimos anos, cada vez mais dependente da eletrônica e de sistemas automatizados. Os pilotos transformaram-se praticamente em “gerentes de sistemas”, supervisionando equipamentos altamente complexos de controle de voo, dotados de inteligência artificial, projetados para facilitar e diminuir a carga de trabalho das tripulações. Mas, esses mesmos sistemas que vieram tornar mais fácil a vida dos pilotos e aumentar a segurança de voo, tem demonstrado em diversos incidentes e acidentes, que podem confundir as tripulações em momentos difíceis e inesperados, colocando suas vidas e a dos passageiros em perigo ainda maior.

Esperamos sinceramente que as caixas-pretas do AF 477 sejam descobertas, para que as causas do acidente possam ser elucidadas. Mas se isso não for possível, a Airbus faria bem em rever alguns pontos críticos do projeto de seus aviões, que têm apresentado problemas: ADIRUs, Tubo Pitot (substituição em andamento) e o uso de material composto em partes críticas dos seus aviões, como o estabilizador vertical.

Às vezes parece que no afã de obter mais lucro, os fabricantes tornam seus aviões mais leves e mais econômicos de operar, mas esse avanço em “performance comercial” não se traduz em aumento da segurança de voo. As companhias aéreas, por sua vez, passam uma imagem publicitária de glamour e de segurança total aos clientes, mas ao mesmo tempo, demoram para executar modificações em seus aviões que aumentem a segurança tão propagandeada (caso da Air France, que demorou a trocar os tubos pitot dos seus Airbus).

Os fabricantes e as companhias aéreas não deveriam esquecer que os “deuses” não toleram falhas desse tipo.

FOTO: Alexandre Galante, editor do Poder Aéreo, de capacete vermelho, “invadindo o espaço dos deuses”, sobre Boituva, interior de São Paulo.

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