‘Offset’ é um bom negócio, mas não garante transferência de tecnologia

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A exigência de acordos de compensações para os contratos de compra de equipamentos de defesa no exterior é uma estratégia que vem ganhando força no governo brasileiro, como instrumento para agregar tecnologia e alavancar exportações. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, tem reforçado esse posicionamento ao afirmar que “a transferência de tecnologia é condição primordial para a compra de equipamentos fora do país”.

Os recentes contratos de importação de produtos de defesa também mostram uma postura mais rigorosa do governo no sentido de garantir obtenção de tecnologia de ponta para a indústria brasileira. O acordo com os franceses para a construção do submarino a propulsão nuclear, por exemplo, segundo Jobim, resultará na implantação de um estaleiro e de uma base de submarinos, com incorporação de novas tecnologias para o país. O projeto do submarino está avaliado em € 6 bilhões.

Do mesmo modo, a compra de 50 helicópteros militares da França e 12 da Rússia, e o projeto F-X2, que até o mês de agosto definirá a empresa fornecedora dos 36 caças supersônicos de última geração para a Força aérea Brasileira (FAB), possuem cláusulas de compensação em valor igual ou superior aos contratos negociados. Juntos, esses contratos representam valores superiores a US$ 5,3 bilhões.

A compensação na área de defesa no Brasil – conhecida como “offset” – acontece quando as Forças Armadas de um país fazem um contrato de aquisição no exterior, valor igual ou acima de US$ 5 milhões, e requerem que o país seja compensado nas suas despesas, proporcionalmente ao volume de recursos despendidos na importação.

As contrapartidas comerciais já estão relacionadas hoje a aproximadamente 40% do comércio mundial de bens e serviços. Estima-se que 90% das exigências de “offset” se referem à venda de aeronaves militares. No Brasil, a política e estratégia de compensação comercial, industrial e tecnológica foi aprovada em 2002. Entre as Forças Armadas, a Aeronáutica é a que tem mais experiência nessa área e aplica cláusulas de compensação em contratos de compra de equipamentos desde o início dos anos 90.

Existem várias maneiras de o país comprador exigir tais compensações: treinamento de recursos humanos, co-produção, investimento em capacitação industrial e tecnológica, transferência de tecnologia, contrapartida comercial, produção sob licença, subcontratação. No Brasil, a política de “offset”, adotada principalmente pela Aeronáutica, tornou-se um meio para a obtenção de tecnologia, capacitação e aperfeiçoamento do setor aeroespacial.

O presidente da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (Aiab), Walter Bartels, acredita que, em alguns casos, os resultados dos acordos são efetivos, mas na maioria das vezes não existe a transferência da tecnologia que o país comprador almeja. “Uma prova disso é que a própria empresa contratada é quem escolhe as tecnologias que serão oferecidas e não as que o Brasil gostaria de receber.” Bartels também critica o fato de o contrato de “offset” não estar atrelado ao contrato principal. “No Brasil, o contrato de compensação é paralelo ao principal, e com isso o país perde um pouco a capacidade de cobrar do fornecedor o cumprimento do acordo”, afirma.

O diretor da Aiab também defende que a condução dos contratos de compra de equipamentos de defesa deveria ser feita por uma empresa brasileira. “Nos EUA, as compras no exterior acontecem dessa forma. A Embraer, quando participou, no começo dos anos 90, da concorrência de fornecimento de aviões Tucano, foi obrigada a se associar a uma empresa americana, a Northrop.”

Nos últimos quatro anos, o governo brasileiro, por meio da Aeronáutica, conseguiu colocar em prática quatro projetos de compensação considerados estratégicos. Os acordos envolvem a compra de aviões e componentes eletrônicos no exterior avaliados em mais de US$ 1 bilhão. O valor inclui o acordo de compensação em andamento com a empresa israelense Elbit , e as europeias Airbus e Eads-Casa.

Segundo o coronel Sebastião Gilberti Maia Cavali, diretor do Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI), órgão que assessora o Ministério da Defesa nas negociações de “offset”, o acordo de compensação feito para o novo avião presidencial, o Airbus ACJ, avaliado em US$ 56,7 milhões, é o que está em estágio mais avançado, em termos de cumprimento.

“A empresa europeia já realizou 94% das compensações acordadas com a Força aérea em 2004, entre elas a construção de uma unidade fabril para tratamento de superfícies , a Sopeçaero, e a aquisição de uma fábrica de peças mecanizadas, a Pesola, ambas em São José dos Campos”, conta Cavali. A companhia europeia também capacitou a indústria nacional na área de manutenção de turbinas.

A empresa israelense Elbit Systems foi selecionada pela FAB para fornecer os sistemas aviônicos da frota de 45 aeronaves F-5. Essa frota está sendo modernizada em conjunto com a Embraer. O programa de modernização, avaliado em US$ 285 milhões, tem hoje 55% das compensações previstas em contrato, realizadas. A principal delas foi a aquisição da empresa gaúcha Aeroeletrônica e a produção no Brasil de todos os sistemas aviônicos do F-5, com o treinamento de mão de obra brasileira nas fábricas da Elbit em Israel.

A Eads-Casa possui dois contratos com a FAB, no valor total de US$ 767 milhões, envolvendo a modernização de nove aviões de patrulha marítima P-3 e fornecimento de 12 aviões de transporte C-295 para missões na Amazônia. O acordo de compensação nesses dois casos, segundo o diretor do IFI, foi iniciado em 2005 e até o momento a empresa realizou 8% do “offset” do P-3 e 3% do CLX.

O percentual do “offset” exigido varia de país para país e pode ir de 30% a 100% do valor do contrato, mas há casos em que os valores ficam acima disso. O acordo de compensação feito pela empresa Eads-Casa com a Aeronáutica, por exemplo, segundo o diretor-geral da Eads no Brasil, Eduardo Marson Ferreira, prevê contrapartida de 120%. “O Brasil se tornou o quarto país no mundo em obrigações de “offset” do grupo Eads”, disse.

A brasileira Atech foi uma das principais beneficiadas do acordo de compensação da Eads-Casa. A empresa enviou uma equipe de engenheiros para a Espanha e, durante um período de três anos, absorveu tecnologia no processo de desenvolvimento e integração de sensores dos sistemas de missão da aeronave P-3. A primeira aeronave com o novo sistema deverá ser entregue em meados deste ano.

As 11 empresas que integram o consórcio HTA (High Technology Aeronautics), fornecedoras do setor aeronáutico, também foram contempladas pelo “offset” oferecido pelo consórcio europeu. As empresas, sediadas em São José dos Campos, se tornaram fornecedoras de peças para aeronaves produzidas pela Eads-Casa na Espanha. As empresas da HTA deixaram de ser apenas mais uma fornecedora da Embraer e passaram a ter reconhecimento internacional, disse um dos diretores do consórcio.

FONTE: Valor Econômico, via Notimp

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