Qual o limite da intervenção do governo no caso Embraer?
A reação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de indignação por não ter sido comunicado com antecedência das demissões na Embraer tem um efeito político significativo, embora o governo tenha poucos instrumentos para tentar reverter a decisão, do ponto de vista societário e de gestão. Pesa, sobretudo, o papel que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem no financiamento da empresa.
Hoje, a presença da União no conselho de administração da Embraer está restrita à participação do tenente-brigadeiro Neimar Dieguez Barreiro. Indiretamente o governo também poderia intervir via o Fundo de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ), que tem um assento no conselho por meio de seu representante José Reinaldo Magalhães.
O peso do fundo Previ na composição acionária da Embraer é o maior, e somado com a participação do BNDESPar (braço de participações em empresas do BNDES) chega a quase 20%. O restante das ações estão diluídas em fatias menores. Na opinião do consultor aéreo da Multiplan, Paulo Bittencourt Sampaio, essa é a principal arma que o governo pode contar neste momento. A outra, seria o fato de a empresa ser dependente de financiamento do BNDES para suas vendas externas e da Força Aérea Brasileira ser um grande cliente na área militar. O próprio BNDES informou hoje que vai se reunir nos próximos dias com a Embraer “para avaliar de maneira mais precisa os acontecimentos”.
Embora o banco de fomento não tenha nenhuma representação no conselho, já desembolsou US$ 8,39 bilhões em financiamentos às exportações da empresa desde 1997. E está em fase final de negociação um empréstimo do BNDES para garantir a compra de dois aviões da Embraer pela recém fundada empresa de aviação, Azul.
Mesmo sem poder de interferência direta na gestão, o governo teria uma capacidade de pressão política forte. Um analista da área de transportes que prefere manter seu nome no anonimato acredita, inclusive, que a fabricante poderá sofrer restrições no futuro no que diz respeito a novos financiamentos do BNDES. “É um risco para a companhia”, afirma. “A reação do presidente Lula não foi das melhores, o que me faz temer uma retaliação do BNDES no futuro”, diz.
Independentemente da pressão política e econômica que o governo pode ter sobre a fabricante de aviões, Sampaio, da Multiplan, afirma que o governo brasileiro poderia criar estímulos para que as companhias aéreas brasileiras utilizem aviões da Embraer. Uma alternativa, segundo ele, seria a criação de linhas com custos menores para essas empresas. “É um absurdo ver a Embraer despedindo funcionários enquanto TAM e Gol importam aviões”, avalia.
Para o professor de transporte aéreo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Respício do Espírito Santo Junior, a empresa poderia ter sentado com o governo para discutir alternativas às demissões. O professor ressalta que os cerca de 4,2 mil empregados demitidos terão impacto direto na economia da região de São José dos Campos. “Isso não significa que a Embraer precisava pedir autorização, mas poderia ao menos ter adiantado a situação não só ao governo federal, mas também ao governo de São Paulo”, avalia.
Por outro lado, o professor, que também é presidente do Instituto de Estudos Estratégicos em Transporte Aéreo (Instituto Cepta), lembra que outras fabricantes de aviões já anunciaram ajustes para adequar-se ao novo cenário mundial. A Airbus, por exemplo, anunciou essa semana uma redução importante na cadência de produção. A Boeing, por sua vez, deve demitir 10 mil funcionários ao longo de 2009. A Bombardier, que concorre diretamente com a brasileira, demitiu pouco mais de 1,3 mil funcionários há pouco mais de duas semanas.
GOLDEN SHARE – Além da participação indireta do Previ (14,2%) e BNDESPar (5,2%), o governo detém atualmente 0,3% das ações da Embraer, por meio de uma Golden Share, criada na época da privatização para proteger a companhia de uma oferta hostil pelo seu controle. A ação, chamada de especial, dá ao governo os mesmos direitos de voto dos detentores das ações ordinárias e o poder de veto em questões estratégicas, mas pouco ou nenhum poder no que diz respeito a assuntos operacionais.
O representante da Golden Share no conselho de administração, o tenente-brigadeiro Barreiro, segundo uma fonte que faz parte do conselho, não costuma interferir nas questões operacionais da Embraer. “Ele é o representante do Ministério da Aeronáutica e tem uma visão militar”, diz a fonte que preferiu manter seu nome no anonimato.
De acordo com informação do site da Embraer, a Golden Share dá ao governo “direito de veto em relação à mudança de denominação da companhia ou de seu objeto social; alteração e/ou aplicação da logomarca; criação e/ou alteração de programas militares, que envolvam ou não a República Federativa do Brasil; capacitação de terceiros em tecnologia para programas militares; interrupção de fornecimento de peças de manutenção e reposição de aeronaves militares e, como já citado, a transferência do controle acionário da companhia”.
Depois do Previ, o Janus Capital Managemente aparece como o segundo maior acionista da fabricante brasileira de aviões, com 10,5%, seguida pelo grupo Bozano, com 10,4%. O Oppenheimer Funds detém outros 6,2%, enquanto do Thornburg Investment tem 5,2%.
Fonte: Agência Estado