Segundo jornal, compra dos Mi-35 não terá ‘offset’
Sem alarde, o Brasil fechou o contrato de compra de 12 helicópteros de
ataque MI-35 fabricados pela Rússia, a um custo estimado em cerca de US
$ 300 milhões. A compra põe fim a uma negociação de quase dois anos,
equipará as Forças Armadas com verdadeiros tanques blindados aéreos
que se destinarão à vigilância da Amazônia e é um exemplo do que não
prevê o acordo de cooperação em matéria de defesa que os dois governos
também assinarão durante a visita do presidente russo ao Brasil,
Dmitri Medvedev, nesta semana. O governo quer mais, quer fabricar
armamentos com a Rússia.
E não só com a Rússia. Em dezembro, chega ao país o presidente da
França, Nicolas Sarkozy, com quem também será assinado acordo de
cooperação em matéria de defesa. Como informou ao Valor o ministro de
Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, as negociações com os
franceses estão até mais avançadas do que as com os russos.
Sarkozy entendeu que o Brasil não quer acordos de compra e venda de
mercadorias, mas de aliança para fabricação de armamentos e pesquisas
tecnológicas. A Marinha brasileira discute com os franceses planos
conjuntos na construção de submarinos, e o Exército negocia projetos
de cooperação para tecnologias do chamado “combatente do futuro” das
tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), com uso de
sofisticados sistemas de informática e posicionamento por satélite
para auxiliar o deslocamento, identificação e mobilização de soldados
em campo de batalha.
A compra dos helicópteros russos é considerada, no governo, um negócio
“atípico” e excepcional em relação ao que se pretende com a nova
estratégia de alianças no setor de defesa. Os brasileiros negociaram a
instalação de centros completos de manutenção para os novos
helicópteros, para evitar os problemas já identificados na vizinha
Venezuela, onde o abastecimento de peças depende de estoques limitados
e encomendas a Moscou. Mas a compra é uma operação estritamente
comercial, sem o chamado offset, compensações comerciais concedidas
pelo fornecedor de equipamentos.
O objetivo declarado das conversas com Paris e Moscou – explicitado
por Mangabeira Unger em recente ronda pela Europa – é evitar a
excessiva dependência de fornecedores de alguma parte do globo e
buscar aproveitar a reestruturação das Forças Armadas para incentivar
o desenvolvimento tecnológico do setor de armamentos no país. Essa foi
a razão, segundo explicou o governo brasileiro ao russo, pela qual os
jatos Sukhoi foram excluídos da licitação para o projeto FX de compra
de novos jatos para a Força Aérea Brasileira. Os russos foram os
únicos a não oferecer transferência de tecnologia no pacote de venda.
Além do anúncio da compra dos helicópteros, está prevista para a
visita de Medvedev a assinatura de um dos três acordos que pautarão a
cooperação dos dois países em matéria de defesa. Em agosto já havia
sido assinado outro, pelo gabinete de Segurança Institucional da
Presidência, do ministro general Jorge Félix, com a ex-KGB russa, de
proteção de informações confidenciais. O acordo desta semana é de
cooperação técnico-militar e prevê troca e intercâmbio de pessoal,
aquisição de equipamentos, transferência de tecnologia e até co-
produção.
Há um terceiro acordo em fase de finalização, sobre propriedade
intelectual. As autoridades brasileiras esperam que o acordo permita
às indústrias dos dois países conhecer melhor o que é produzido e
comercializado nos dois mercados, abrindo caminho para que as empresas
brasileiras façam contatos e encontrem oportunidades de negócios com
os russos. Não é fácil, a Rússia, especialmente na esfera militar,
ainda tem a arrogância de grande potência, mas há forte interesse da
indústria bélica brasileira, em campos como a fabricação de blindados,
por exemplo.
Toda essa movimentação é vista com mau humor por tradicionais
exportadores brasileiros, como os de carne, que lamentam a falta de
resultados do governo brasileiro nos esforços para abrir ao Brasil
maior espaço nas cotas de importação russas, grande parte delas
reservadas a exportadores europeus e americanos. Na semana passada
reuniu-se em Brasília a comissão intergovernamental Brasil-Rússia de
cooperação econômica, comercial, científica e tecnológica, em
preparação à visita de Medvedev. E a discussão sobre agricultura levou
apenas a queixas da parte brasileira pela falta de empenho dos russos
em avançar no tema de cooperação agrícola.
A visita de Medvedev será acompanhada dos anúncios pomposos dessas
ocasiões, como a meta de elevar o comércio bilateral dos US$ 5 bilhões
de 2007 para US$ 10 bilhões em 2010. Mas a crise financeira mundial,
que chegou pesadamente à Rússia, obscurece as perspectivas comerciais
com o país – a queda nos preços do petróleo já fez Medvedev adiar
anúncios de investimentos que faria nesta semana, na Venezuela, e
praticamente concentrou as expectativas nos negócios do campo
militar.
As reservas internacionais da Rússia, de quase US$ 600 bilhões em
agosto, caíram para pouco mais de US$ 450 bilhões e continuam caindo
no ritmo de mais de US$ 20 bilhões por semana, o crédito secou,
começaram as demissões nos setor automotivo e o governo já anunciou
pacotes bilionários de salvamento, como no Ocidente. Tudo isso reduz a
atratividade da cooperação econômica com o país, mas não afetou, até
agora, os planos em matéria de defesa.
As autoridades brasileiras dizem considerar normal a aproximação entre
Rússia e Venezuela, que farão exercícios militares juntos, no Caribe,
nesta semana. Enquanto Chávez apresenta a aliança como uma resposta ao
“Império” americano, os próprios russos minimizam essa volta às
Américas, que insistem em classificar como um ressurgimento do
interesse puramente econômico na região. Combinado com a decisão dos
países sul-americanos de, pela primeira vez, estabelecerem um Conselho
de Defesa que exclui a grande potência ao Norte, esse movimento tem,
porém, forte implicações geopolíticas. Mesmo que os presidentes Lula e
Medvedev, amanhã, digam o contrário.
Fonte: Valor Econômico
Foto: Mi-35 da versão comprada pela Venezuela – defense industry daily
Nota do Blog: espera-se que esse contrato há muito falado, e antecipado agora categoricamente pelo jornal Valor Econômico , seja formalmente assinado nesta quarta-feira, último dia do presidente russo Medvedev no Brasil antes de seguir viagem para a Venezuela.